Constança demite-se. O que fez e o que deixou ao Ministério?
A ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, demitiu-se na sequência da tragédia dos incêndios. Relembre a ação da ministra nos últimos meses.
Constança Urbano de Sousa demitiu-se do cargo de ministra da Administração Interna (MAI). Das várias frentes políticas ao Presidente da República, muitos foram os que apelaram à demissão da ministra na sequência dos incêndios de Pedrógão Grande e dos fogos que assolaram todo o país no último domingo, tragédias que vitimaram um total de 106 pessoas até à data. O ECO faz o resumo da atuação da ministra nos meses mais críticos do seu mandato.
“A ministra da Administração Interna apresentou-me formalmente o seu pedido de demissão em termos que não posso recusar”, comunicou António Costa esta quarta-feira. Na carta que dirigiu ao primeiro ministro, Constança Urbano de Sousa afirma que “não tinha condições políticas e pessoais para continuar no exercício deste cargo” e revela que, desde os incêndios de junho, pede “insistentemente” para ser libertada das suas funções.
Os momentos que mais marcaram negativamente a liderança de Constança no Ministério da Administração Interna foram os incêndios que deflagraram em Pedrógão Grande em junho e os fogos que, no domingo passado, assolaram vários pontos do país. Este foi o pior dia do ano em número de fogos, contando 500 focos espalhados por todo o território e provocando a morte a 42 pessoas. Em junho, a tragédia humana chegou às 64 mortes, e foi esta a calamidade que levantou a polémica em torno do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), a qual acompanhou a ministra até ao momento da saída.
SIRESP: o que se fez com a rede de comunicação mais falada
Logo após os incêndios, a ministra exigiu dois dos muitos estudos que viria a solicitar. Os primeiros foram um estudo independente ao funcionamento do SIRESP e uma auditoria da Inspeção-Geral da Administração Interna à Secretaria-Geral Administração Interna, enquanto entidade gestora do SIRESP, para apurar possíveis erros na gestão, manutenção e fiscalização que lhe eram devidas. A ministra procurou “respostas rigorosas” após serem “reportadas dificuldades na utilização” do SIRESP, lia-se no comunicado.
No início de julho, foi lançado o plano de recuperação no qual se fazia também o rescaldo dos incêndios. Simultaneamente, as atenções do público viraram-se para as cativações. Mas Constança Urbano de Sousa apressou-se a afastar as culpas: o SIRESP “não foi afetado por cativações,” garantiu. O Ministério da Administração Interna é agora uma das exceções nas cativações previstas no Orçamento do Estado para 2018, revelado em outubro.
Só passado mais de um mês da tragédia a ministra veio prestar novos esclarecimentos ao Parlamento e admitiu que “há falhas no SIRESP”. Porém, voltou a desviar as atenções do Governo, alegando que as falhas “não são de hoje”. Assegurou que antes do atual Executivo entrar em funções só duas medidas do plano de ação foram implementadas. “Todas as outras estamos nós agora a implementar”, garantiu.
Todas as outras [medidas do plano de ação do SIRESP] estamos nós agora a implementar.
Ainda antes de chegar ao Ministério, entre 2014 e 2015, “foram entregues aos utilizadores mapas de cobertura” e foi adquirida “uma aplicação TRACES para fazer uma melhor gestão dessas coberturas” e compradas duas viaturas móveis, defendeu a ministra no Parlamento.
Constança Urbano de Sousa esclareceu que sob a sua alçada estiveram as estações maiores, “à guarda da GNR e PSP”, que estão preposicionadas no Porto e Lisboa. “As duas antenas móveis à guarda da ANPC são preposicionadas na zona de maior risco e vão variando consoante as previsões do IPMA”, adiantou. Por último, Urbano de Sousa garantiu que já tinha entrado em vigor “um novo procedimento de informação dos utilizadores para que saibam utilizar de forma mais eficiente as comunicações”.
A 9 de agosto, o Governo anunciou que ia pedir uma indemnização ao SIRESP pelas falhas durante a calamidade de Pedrógão Grande, baseando-se nas penalidades previstas no contrato e após o parecer jurídico da Linklaters. A esta data, os pareceres e relatórios sobre a tragédia em Pedrógão já eram mais de 15. Já em setembro, foi noticiado que também a rede tem quatro processos pendentes contra o Estado, datados de 2007, 2008, 2010 e 2013, que relatam atrasos na atribuição de terrenos para a instalação de estações-base. Dois desses casos totalizam mais de um milhão de euros em indemnizações, com 805 mil num e 429 mil noutro, avançou o Diário de Notícias esta segunda-feira.
Poucos dias depois, era tempo de acionar as penalidades contra o SIRESP, pelas falhas verificadas em diversos incêndios, mas principalmente no de Pedrógão Grande. O Estado exigiu o pagamento de multas na forma de um desconto do valor anual pago à empresa.
No final de setembro o Governo comprometeu-se a uma renegociação do contrato com a operadora do SIRESP em 2018. Ou seja, o Governo não quis “substituir” a rede SIRESP mas antes melhorar este contrato, que termina em 2021.
Para além do SIRESP
Em agosto, novos incêndios vieram a preocupar. Desta vez em localidades como Tomar, Mealhada, Cantanhede, Alvaiázere e Ferreira do Zêzere. A 12 de agosto, Portugal acionou o Mecanismo Europeu de Proteção Civil, de forma a contar com a ajuda de outros países no combate aos incêndios. A ministra alegou “prudência” dadas as previsões meteorológicas que, em contexto de seca extrema, poderiam ditar complicações maiores. Foi também “por prevenção” que a 17 de agosto o Governo declarou estado de calamidade pública, para legitimar “o livre acesso” da Proteção Civil à propriedade privada, entre outras medidas.
Seguiram-se as denúncias de “refeições inapropriadas, face ao desgaste dos operacionais” e o Ministério da Administração Interna abriu um novo inquérito para apurar as condições de fornecimento das refeições aos bombeiros.
Já em setembro, o ministério da Administração Interna aliou-se ao da Agricultura para efetivar a proposta da Direção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), que sugeriu um plano para colocar os reclusos a limpar florestas.
No dia oito do mesmo mês, a polémica recaiu sobre o comandante da proteção civil, Rui Esteves. O responsável aceitou o título de comandante nacional da Proteção Civil em Carnaxide e diretor do aeródromo de Castelo Branco, em simultâneo, funções estas incompatíveis. Constança abriu assim um processo disciplinar contra o comandante.
Rui Esteves acabou por se demitir na sequência de novas notícias. O comandante concluiu a licenciatura em grande parte com recurso a equivalências: 32 de 36 unidades curriculares. Perante este novo dado, o secretário de Estado da Administração Interna ordenou à Autoridade Nacional de Proteção Civil uma auditoria para verificar as licenciaturas de todos os dirigentes e elementos da sua estrutura operacional. Confirmou-se que todos os elementos da Autoridade Nacional de Proteção Civil têm licenciatura, mas a questão das equivalências não ficou respondida.
À margem da tragédia, o SEF e outros assuntos
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) foi outro assunto que exigiu especial atenção da parte da ministra da Administração Interna. Ainda em maio, Urbano de Sousa anunciou uma nova lei orgânica e estatuto profissional para o SEF, com o argumento que a estrutura deste serviço de segurança seria “muito pesada” e a gestão de pessoal “absolutamente inflexível”. Pretendia com as alterações “acabar com a excessiva burocratização dos procedimentos, reconhecida morosidade no atendimento e na concessão de algumas autorizações de residência”.
Contudo, problemas como a falta de recursos humanos e materiais levaram o sindicato do SEF a convocar uma greve para 24 e 25 de agosto, a segunda no período de dois meses, sublinhando que esta carência punha em causa “o regular funcionamento da segurança interna do país”. Os trabalhadores queixaram-se da falta de diálogo e exigiram resposta até ao final do mês. Na véspera da segunda greve, a ministra reuniu-se com sindicato e os Inspetores do SEF desconvocaram a greve, com a promessa de um concurso para a admissão de 100 novos inspetores e de um reforço das competências do SEF.
A última medida da ministra relativamente a este grupo de trabalhadores foi a demissão da diretora do SEF. Constança acusou Luísa Maia Gonçalves de “incumprimento dos objetivos da tutela”. A responsável trabalhava no SEF desde 1990 e chegou a diretora em 2016.
No último dia de setembro, Constança Urbano de Sousa decretou a criação de um grupo de trabalho que irá estudar medidas de prevenção para ataques terroristas nas cidades portuguesas. Em estudo estarão não só as medidas como também as cidades visadas. Os cuidados deverão recair sobretudo sobre as cidades mais turísticas do país.
Num registo totalmente diferente e ainda em agosto, a ministra foi confrontada com a participação de um funcionário da Secretaria-Geral da Administração Interna num evento financiado por uma empresa privada, a Oracle. Neste sentido, Constança Urbano de Sousa, decidiu abrir um inquérito às viagens pagas por empresas privadas a funcionários dos serviços tutelados pelo seu ministério.
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