Depois da Cambridge Analytica, todos “espiam” o Facebook
Desde a polémica do uso indevido de dados pela Cambridge Analytica, o Facebook tem estado sob pressão. Mas os casos sucedem-se. E ninguém sabe qual vai ser o próximo capítulo.
Diz-se que quando se chateiam as comadres, descobrem-se as verdades. Mas desde que veio à tona a polémica em torno do Facebook e da consultora Cambridge Analytica, as notícias foram tantas que já é difícil acompanhar o caso a par e passo. Para já, uma coisa é certa: a comunidade está hoje bem mais ciente da importância dos dados pessoais. E tem agora outra noção do tipo e da quantidade de informação que a empresa de Mark Zuckerberg recolhe sobre nós.
O que se sabe é que a rede social estima que a Cambridge Analytica se tenha apropriado e usado dados pessoais de cerca de 87 milhões de utilizadores. Para tal, terá recorrido a uma aplicação que convidava os utilizadores a participar numa espécie de estudo académico. A aplicação não só recolhia estes dados cedidos voluntariamente pelos participantes como também dos amigos destes (e, quiçá, dos amigos dos amigos). Foi como uma bola de neve. E a esmagadora maioria da informação terá sido recolhida sem conhecimento ou consentimento dos visados.
Em Portugal, sabe-se também que pelo menos 15 pessoas terão usado essa aplicação. Mas as estimativas oficiais apontam para que, entre os 87 milhões de utilizadores “apanhados” neste caso, estejam mais de 63.000 portugueses. E, depois de a Deco ter pedido esclarecimentos à rede social, também o PS já veio dizer que vai chamar ao Parlamento a Comissão Nacional de Proteção de Dados, ainda que seja questionável que a entidade tenha algo de relevante para partilhar com os deputados sobre este assunto.
Porque é que a Cambridge Analytica precisou de tanta informação? Para responder a esta questão, é preciso perceber o que é realmente o Facebook. Desde logo, é um negócio: o serviço é gratuito, mas as informações partilhadas pelos utilizadores são usadas pela plataforma para segmentar publicidade (é daí que vem a receita). Com o passar dos anos, a plataforma ficou cada vez mais eficaz a mostrar às pessoas anúncios capazes de lhes suscitar interesse. O objetivo é o mesmo de sempre: fazê-las comprar um produto ou subscrever um serviço, por exemplo.
No caso da consultora norte-americana no centro desta polémica, a situação é ligeiramente diferente. Alegadamente, munida de dados sobre muitos milhões de utilizadores, a Cambridge Analytica terá sido capaz de criar algoritmos para levar a segmentação a todo um novo nível: recorrer às capacidades do Facebook para influenciar os eleitores norte-americanos, favorecendo Donald Trump na corrida à Casa Branca. Mais um caso que se junta à alegada influência dos russos nas Presidenciais dos Estados Unidos.
É isto que está aqui em causa, em linhas gerais. Contudo, e como indicámos no início desta peça, um caso traz o outro. É mesmo uma bola de neve. O escrutínio sobre a atividade do Facebook aumentou e a pressão também. A moral dos trabalhadores terá caído e começaram a surgir cada vez mais fugas de informação (algumas nem foram bem “fugas”, mas a clarificação de práticas do Facebook que já se sabia que existiam, mas que o público em geral não as entendia ou, simplesmente, não se preocupava com elas).
Uma das mais recentes fugas de informação foi obtida pela CNBC esta quinta-feira — e levanta novamente a fasquia para o presidente executivo do Facebook, Mark Zuckerberg. Agarre-se bem: no mês passado, ainda antes de vir à tona esta polémica, a rede social tinha em curso um projeto para cruzar com informação do Facebook os dados pessoais de utentes de alguns dos maiores hospitais dos Estados Unidos.
Segundo o canal norte-americano, o Facebook pediu a alguns hospitais para que lhes fosse fornecida informação anonimizada sobre doentes e respetivas prescrições. O objetivo seria o de cruzar estes dados com a informação partilhada voluntariamente pelos utilizadores no Facebook (a rede social acreditava ser capaz de identificar as pessoas em questão desta forma) e ajudar os hospitais a descobrir pacientes que necessitassem de cuidados ou tratamentos especiais.
À CNBC, o Facebook garantiu que “este trabalho não passou da fase de planeamento” e que não chegou a receber, partilhar ou analisar informação de qualquer utente hospitalar. Além disso, reconheceu que pôs um travão nesta ideia logo que surgiram os primeiros alertas de que é preciso fazer mais para proteger os dados pessoais das pessoas.
Mas se recuarmos um pouco mais, torna-se bem claro que este caso veio lançar luz sobre que dados recolhe o Facebook sobre nós — e quem diz o Facebook diz qualquer outra das aplicações detidas pela empresa, como o Messenger, o WhatsApp ou o Instagram. A notícia veio no The Guardian: à medida que os mais indignados foram tentando apagar as respetivas contas na rede social, foram apercebendo-se de que a empresa recolhe bem mais informação do que esperavam. Entre os dados na posse da empresa estão registos completos de todas as chamadas feitas e recebidas e até SMS’s. Recolhe mesmo os contactos do telemóvel.
Evolução do preço das ações do Facebook
Fonte: Reuters
Além da reputação, e da fuga de utilizadores — alguns deles bem conhecidos — também o valor do Facebook está a encolher. A fuga de informação transformou-se num derrame nas ações. Desde 16 de março até 6 de abril, os títulos da empresa perderam 14,27% na bolsa. Vale 460,94 mil milhões de dólares. Enquanto, antes, cada ação valia 185,09 dólares, agora vale perto de 158 dólares.
É difícil prever qual vai ser o próximo capítulo desta polémica, ou que outros casos poderão vir a ser expostos pela comunicação social nas próximas semanas, penalizando ainda mais o valor da rede social. Provável é que os reguladores a nível mundial apertem o cerco à empresa e imponham medidas para aumentar a proteção dos dados dos utilizadores, sobretudo numa altura em que está prestes a entrar em vigor o novo Regulamento Geral de Proteção de Dados na Europa.
Para já, marque na agenda os dias 10 e 11 de abril. No primeiro, Mark Zuckerberg responderá perante o Senado norte-americano. No segundo, o presidente executivo responderá perante o Congresso. E se mantém a preocupação de que os seus dados não estejam seguros, o ECO fez um guia com três coisas simples que pode fazer.
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