Raio-x à economia mostra “nova fase” do ciclo. E é de arrefecimento
O Governo mudou o tom da mensagem política quanto à economia: Vem aí um "novo ciclo" e ele é de arrefecimento, quando em outubro apostava numa estabilização. O ECO reuniu os sinais que preocupam.
Siza Vieira anunciou esta semana que o ciclo económico entrou numa “nova fase”, por causa do abrandamento da economia mundial. Para já, a previsão de crescimento para 2019 mantém-se nos otimistas 2,2%, assumidos oficialmente em outubro passado, mas um raio-x aos vários indicadores que ajudam a medir a atividade económica mostra que há sinais de arrefecimento. Será que vem aí o inverno? Por agora parece-se mais com um outono.
Cá dentro, são vários os indicadores publicados nas últimas semanas que revelam que algo está a mudar. Enquanto até agora, era muito comum ler o verbo acelera em notícias de economia, agora o recurso a este verbo já é menor. E surgiram novas utilizações: os verbos arrefecer, abrandar ou travar começaram a ser necessários para retratar o que se passa. Ora vejamos alguns dos sinais:
- As empresas preveem que as exportações de bens cresçam 4,3% em 2019, depois de em 2018 terem subido 6,4%, revelou o Instituto Nacional de Estatística (INE), acrescentando que 17% das empresas considera que o Brexit terá um impacto negativo na sua atividade. O inquérito feito às empresas foi realizado em novembro. Agora, com um cenário de Brexit desordenado em cima da mesa, a incerteza aumenta.
- Em novembro, as exportações de bens já tinham recuado 8,7% face ao mês homólogo, desta vez em resultado de motivações internas. A greve dos estivadores de Setúbal penalizou a saída de carros da Autoeuropa para fora do país e ditou uma travagem nas exportações. Entre janeiro e novembro, as vendas para o exterior subiram 4,9%, contra um aumento de 6,5% acumulado até outubro.
- A indústria nacional está também a dar sinais de perder gás. A produção industrial recuou em novembro 2,9% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Uma medida mais alisada que permita uma leitura mais adequada da tendência aponta no mesmo sentido. A taxa de variação média dos últimos 12 meses terminados em novembro foi nula. Um ano antes, a produção industrial medida pela mesma taxa aumentava 4,3%. O volume de negócios no setor ressentiu-se. No ano terminado em novembro de 2018 aumentou 4,5%, mas um ano antes estava a crescer 8,8%.
- Nos serviços, a taxa de variação homóloga do volume de negócios caiu para metade entre outubro e novembro (de 5% para 2,5%). A taxa de variação média nos últimos 12 meses terminados em novembro foi de 5,5%. Mas um ano antes estava em 6,9%.
- No setor da construção os sinais são mistos, mas há indicadores avançados (aqueles que antecipam tendências) que preocupam. O Índice de Produção na Construção abrandou em termos homólogos entre outubro e novembro, mas a taxa de variação média dos últimos 12 meses terminados em novembro está a recuperar. No entanto, as vendas de cimento abrandam há quatro meses seguidos. Cresciam 8,7% na taxa de variação homóloga calculada pela média dos últimos três meses terminados em junho. Em novembro, a mesma taxa apresentava um aumento de 1,5%. Também o licenciamento de edifícios — que dá uma perspetiva de construção para os próximos meses — travou. No terceiro trimestre cresceu 16,3% face ao período homólogo, o que compara com uma subida de 20,3%. Nesse trimestre, o número de edifícios licenciados caiu mesmo 7,7% em relação aos três meses anteriores.
- O turismo, que já vale quase 10% da economia, também dá sinais menos bons. De janeiro a novembro, o número de hóspedes cresceu apenas 1,6% e o número de dormidas recuou mesmo (0,2%). Um ano antes, as taxas de variação homóloga para estes dois indicadores exibiam crescimentos de 9% e 7%, respetivamente.
- De um ponto de vista mais qualitativo, os indicadores de confiança mostram consumidores menos otimistas — o indicador que mede a confiança do lado da procura recuou em novembro e dezembro — e empresários mais pessimistas — o indicador de clima económico que resume a confiança do lado da oferta — desceu em novembro e dezembro.
- Os indicadores coincidentes do Banco de Portugal — que dão uma medida aproximada da tendência da economia — apontam também para um cenário de crescimentos menores. O indicador coincidente mensal estabilizou em novembro em 1,9%, mas o indicador coincidente para o consumo privado cresceu menos (1,2% no mês em análise, contra 1,4% em outubro). O indicador de atividade económica, apurado pelo INE, apresentou uma taxa de variação homóloga de 2% em novembro, quando no início de 2018 estava em 2,6%.
Os sinais que vêm de fora de Portugal também preocupam. Foi aliás suportado no Brexit e na guerra comercial entre os EUA e a China que Siza Vieira admitiu “uma nova fase do ciclo económico”. A Alemanha arrefece e a China já tem um programa de injeção de liquidez na economia. No Banco Central Europeu (BCE) as campainhas já começaram a tocar.
- Da Alemanha, o segundo maior comprador de produtos nacionais, os ventos são de mudança. O PIB cresceu 1,5% no ano passado, o ritmo mais baixo desde 2013. Ainda este mês, o ministro alemão das Finanças lançava avisos: “Acabaram os anos das vacas gordas.”
- “Isto é uma queda temporária ou estamos a avançar para uma recessão? É um abrandamento que não nos conduz a uma recessão, mas pode durar mais tempo do que o esperado”, disse o presidente do BCE no Parlamento Europeu, justificando que “os desenvolvimentos económicos mais recentes foram mais frágeis do que o esperado e as incertezas, nomeadamente relacionadas com fatores globais, continuam proeminentes. Não há margem para qualquer complacência”. Ou seja, o BCE vai continuar a comprar dívida e as taxas de juro devem permanecer em mínimos históricos.
- Perante sinais de arrefecimento na economia chinesa, o banco central da segunda maior economia do mundo decidiu injetar no setor financeiro só num dia 83 mil milhões de dólares, um valor recorde para um só dia, para estimular a economia. As exportações recuaram 4,4%, o ritmo mais forte em dois anos. Além disso, o gabinete de estatísticas revelou que o PIB chinês cresceu em 2017 menos do que o valor conhecido até agora (6,8% contra 6,9%).
Os sinais de arrefecimento já eram antecipados há alguns meses por várias instituições. O Fundo Monetário Internacional (FMI), a Comissão Europeia e o Banco de Portugal preveem que a economia nacional cresça apenas 1,8% este ano, menos um ponto percentual do que o crescimento conseguido em 2017 quando a economia registou um recorde desde 2000. Para a instituição de Carlos Costa (a que tem projeções mais recentes para Portugal), a economia terá crescido 2,1%. Siza Vieira afastou uma recessão, mas o tom da mensagem política do Governo parece ter mudado.
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