Prova dos 9: Existe uma Loja do Cidadão “que não tem muita gente”, como diz Centeno?

Mário Centeno diz que existe uma Loja do Cidadão que não tem muita gente, onde fez o seu cartão de cidadão há cerca de dois anos. Mas será mesmo assim?

Na sequência das duras críticas de que têm sido alvo os serviços públicos, nomeadamente o atendimento nas Lojas do Cidadão espalhadas pelo país, o ministro das Finanças, Mário Centeno, afirmou, esta sexta-feira, que há uma loja — à qual se deslocou a última vez que teve de renovar o seu Cartão de Cidadão (CC) — que não tem muita gente. O ministro falava sobre o estado dos serviços públicos, em entrevista ao jornal Público.

É que, apesar das medidas do Governo que procuram responder aos relatos de filas e atrasos nas Lojas do Cidadão, renovar o CC continua a ser uma autêntica dor de cabeça em algumas regiões do país. Em Oeiras, por exemplo, à hora da publicação deste artigo, a vaga disponível mais cedo é só em dezembro. São 176 dias, incluindo sábados e domingos, em que os serviços estão fechados.

Caso o cidadão não tenha hipótese de agendar a renovação do CC, terá, então, de recorrer ao sistema de senhas. Neste caso, segundo os utentes, é esperar e desesperar. Os cidadãos falam em horas de espera, em madrugar à porta das Lojas do Cidadão para conseguir uma senha e, muitas vezes, em tentativas falhadas.

Ao ECO, no princípio do mês, um utente da Loja do Cidadão contou que chegou ao estabelecimento das Laranjeiras às 3h00 da manhã para garantir que teria uma senha quando as portas abrissem — às 8h30 — e que, mesmo assim, já tinha oito pessoas à sua frente.

Um cenário de caos que até já foi justificado através do comportamento dos cidadãos. No mês passado, a secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso, culpou os utentes das lojas do cidadão por irem para a porta dos serviços quando estes ainda estão fechados, “o que encerra imediatamente a entrega de senhas aquando da abertura de portas”. Depois destas declarações, o Ministério da Justiça rapidamente se pronunciou, dizendo que o objetivo nunca foi culpar os cidadãos pelos atrasos. “O Governo reconhece que existiu nos últimos meses um problema de capacidade de resposta nos serviços de atendimento do Cartão de Cidadão”, afirmou o Ministério na altura.

Perante as horas de espera, as filas e a corrida às senhas, Mário Centeno vem, agora, dizer que há um estabelecimento em Lisboa com pouca procura, onde é mais fácil renovar o Cartão de Cidadão. Mas, será mesmo como o ministro das Finanças diz?

A afirmação

A última vez que fiz o Cartão de Cidadão fui ali à Rua Nova do Almada, há ali uma conservatória, que não tem muita gente… Foi há um ano e meio, dois anos. Não é o serviço das Laranjeiras da Loja do Cidadão, que é para onde a maior parte das pessoas confluem, até porque é onde há mais serviços”, afirmou Mário Centeno, em entrevista ao Público, onde defendeu que neste momento enfrentamos um pico de procura e que os serviços têm de dar resposta, admitindo que poderiam ter sido antecipadas outras formas de abordagens.

Factos

Mário Centeno diz que se dirigiu à Rua Nova do Almada, no Chiado (Lisboa), para fazer o Cartão de Cidadão. Trata-se do Departamento de Identificação Civil da Boa Hora, que é o número 35 dessa mesma rua e está aberto de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 19h30. Agora, “para responder a este pico de maior afluência”, os serviços estão, também, abertos nos sábados, das 9h às 14h, disse o departamento ao ECO.

De acordo com o site do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), onde pode fazer o agendamento do pedido ou da renovação do Cartão de Cidadão, a vaga disponível mais cedo no Departamento de Identificação Civil da Boa Hora, à hora da publicação deste artigo, é no próximo dia 14 de agosto, daqui a mais de um mês. Mas atenção, porque esta vaga é numa mesa sem acesso a cidadãos com mobilidade reduzida. Para um cidadão nestas condições, é preciso somar-lhe, ainda, três dias.

Instituto dos Registos e Notariado - balcão Lisboa-Boa Hora - 08JUL19
O Departamento de Identificação Civil da Boa Hora funciona, agora, também aos sábados, com agendamentos entre as 9h e as 14h.Hugo Amaral/ECO

A diferença entre o Departamento de Identificação Civil da Boa Hora e a maioria dos estabelecimentos onde é possível renovar o Cartão de Cidadão é que, neste, fazer o CC obriga, previamente, a uma marcação. Quer isto dizer que não há senhas, portanto, os utentes marcam o dia e a hora (consoante a disponibilidade dos serviços) e comparecem no horário que definiram.

Como este departamento no Chiado, há outros serviços que funcionam exclusivamente por agendamento. De acordo com o Departamento de Identificação Civil da Boa Hora, é o caso do Registo Civil na Avenida Fontes Pereira de Melo, que funciona das 9h às 16h, de segunda a sexta-feira. Já o Campus de Justiça funciona parcialmente neste regime. “Das 14h às 19h, fazer o CC nestes serviços tem de ser, também, por marcação”, explicou o departamento da Rua Nova do Almada.

Na mesma entrevista, o ministro das Finanças sublinhou que há determinados momentos de “pico de procura” e que dar resposta é “um processo”. O Executivo de António Costa já reconheceu que ainda falta cerca de meia centena de trabalhadores para normalizar o processo e os prazos de renovação do Cartão de Cidadão em Lisboa e começou a tomar medidas.

No início do mês, o Governo anunciou que vai reforçar estes serviços, com a abertura de novos espaços do cidadão no Algarve, bem como alterações no atendimento em espaços de Lisboa. Já na semana passada, aquando da apresentação do iSimplex 2019, o Executivo prometeu que, com este novo pacote de medidas de simplificação da relação entre os cidadãos e a Administração Pública, vai criar mecanismos que permitam a renovação automática do CC e que deverá estar implementado durante o segundo trimestre de 2020.

Prova dos 9

Perante este cenário, Mário Centeno diz que a conservatória da Rua Nova do Almada “não tem muita gente”. O ministro refere, ainda, que a última vez que lá foi, para fazer o Cartão de Cidadão, foi “há um ano e meio, dois anos”, mas, se recuarmos até 2017, o departamento do Chiado já funcionava desta forma: exclusivamente por marcação. “Desde 2015 que é assim”, confirmou o Departamento de Identificação Civil da Boa Hora.

O ministro das Finanças comparou, também, este serviço com a Loja do Cidadão das Laranjeiras, dizendo que é para “onde a maior parte das pessoas confluem”. De facto, esta Loja do Cidadão tem sido um dos estabelecimentos que regista mais queixas e que, muitas vezes, obriga a que as pessoas comecem a formar fila mesmo antes da abertura dos serviços.

Conclusão: Centeno diz que na Rua Nova do Almada há uma conservatória que não tem muita gente. É verdade, tal como o ECO comprovou esta segunda-feira (ver foto em baixo).

Instituto dos Registos e Notariado - balcão Lisboa-Boa Hora - 08JUL19
Esta segunda-feira, à porta do Departamento de Identificação Civil da Boa Hora, na Rua Nova do Almada, não havia ninguém.Hugo Amaral/ECO


Mas convém salientar que o ministro está a referir-se a um estabelecimento que funciona apenas por marcação
. Ou seja, não há grande afluência, como diz, porque os cidadãos fazem um agendamento prévio. Mesmo assim, os tempos de espera para conseguir o agendamento atualmente nunca são inferiores a um mês.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Prova dos 9: Existe uma Loja do Cidadão “que não tem muita gente”, como diz Centeno?

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião