Prova dos 9: 1,5 ou 3,85 mil milhões? Afinal, quem tem razão nas linhas Covid-19
António Costa disse que os bancos só concederam 1,5 mil milhões da linha disponibilizada pelo Governo. Os bancos falam em 3,85 mil milhões aprovados. Com tanto número, quem tem razão?
“Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. O ditado popular pode ajudar a explicar a troca de galhardetes entre o Governo e os bancos nas últimas semanas por causa das linhas de crédito com garantia do Estado, no valor de 6,2 mil milhões de euros, destinadas a apoiar as empresas em tempos de pandemia.
De um lado, o Executivo aponta o dedo aos bancos. “Estão à espera de não sei quê”, atirou o primeiro-ministro na semana passada no Parlamento. Do outro, os banqueiros defendem-se. “Que incentivos é que os bancos podiam ter para não fazer chegar dinheiro à economia? Se os bancos não fazem chegar o dinheiro à economia, não recebem nada. O nosso interesse é fazer chegar o dinheiro à economia”, respondeu esta quinta-feira o presidente executivo do BCP, Miguel Maya, na SIC Notícias.
Pelo meio, sobram ainda as queixas das associações empresariais, como a CIP ou o IAPMEI. Um inquérito da CIP revelou que quase 70% das empresas ainda não tinha recebido os créditos solicitados ao abrigo daquelas linhas. O IAPMEI indicou esta semana que, dos 6,2 mil milhões de euros, só 27,9% dos 6,2 mil milhões foram concedidos até agora.
Quem tem razão?
A afirmação
“A Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua (SPGM) já aprovou mais de cinco mil milhões de euros de garantias, e os bancos só contrataram 1,5 mil milhões de euros de garantias. Os bancos não estão à espera da SPGM. Os bancos estão à espera não sei de quê. Agora uma coisa eu sei: as empresas precisam e estão à espera dos bancos e não estão à espera da SPGM.”
António Costa, no dia 20 de maio, no debate quinzenal
Os factos
Primeiro facto: estas linhas de crédito têm registado várias “peripécias” – como disse Paulo Macedo, presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), na SIC Notícias — desde o início.
Foram anunciadas pelo Governo no início de abril, mas só duas semanas depois é que ficaram operacionais depois de fechado o protocolo. No mesmo dia em que o sistema informático esteve disponível para os bancos “carregarem” os processos de crédito, foi fechado poucas horas depois face ao elevado volume de ficheiros carregados. Só dias depois o sistema voltou a estar disponível.
Por outro lado, da linha inicial de 400 milhões de março para a linha de 6,2 mil milhões, aumentou-se a exigência de documentação das empresas, o que também contribuiu para atrasos no processo.
Mais um facto: os bancos e a própria SPGM não estavam preparados para receber uma avalanche de pedidos num tão curto espaço de tempo. “Em dois meses foi levado a cabo um volume de trabalho correspondente a dois anos”, disse a presidente da SPGM, Beatriz Freitas, no Parlamento, explicando a burocracia com o facto de ser necessário assegurar que “o auxílio de Estado cumpre com as obrigações provenientes das decisões da Comissão Europeia”.
Tudo isto contribuiu para os atrasos iniciais de que as empresas se queixaram, mas não explica a diferença de valores que António Costa citou no Parlamento e os bancos dizem.
O primeiro-ministro foi perentório há uma semana: os bancos só contrataram 1,5 mil milhões de euros de garantias. Esta semana, o IAPMEI atualizou o valor: apenas 1,7 mil milhões foram concedidos até agora, 28% do total das linhas.
Esta quinta-feira, os presidentes dos principais bancos portugueses deram outro número: só CGD, BCP, Novo Banco e BPI já têm aprovados 3,85 mil milhões de euros no âmbito destas linhas:
- CGD: 800 milhões
- BCP: 1.450 milhões
- Novo Banco: 1.000 milhões
- BPI: 600 milhões em crédito
Onde está a diferença? Enquanto o primeiro-ministro e o IAPMEI se referiam aos créditos já contratados pelas empresas, isto é ao dinheiro que já chegou às contas das empresas, os banqueiros referiam-se aos montantes que foram apenas aprovados pelos bancos (faltando o ok da SPGM ou a assinatura final do cliente para o depósito das verbas nas respetivas contas bancárias).
Por exemplo, António Ramalho explicou que dos 1.000 milhões aprovados pelo Novo Banco, 400 milhões tinham sido contratados pelas empresas. No BPI, o CEO indigitado João Oliveira e Costa referiu que 52% do montante aprovado pelo banco estava nas contas das empresas, ou seja, pouco mais de 300 milhões.
Por que é que o valor contratado é tão baixo? Cada empresa tem as suas necessidades. Se muitas estão em situação aflitiva, outras acederam às linhas por uma questão de precaução. Aliás, os clientes têm 30 dias para assinar o contrato de empréstimo depois de aprovado pelo banco e pela SPGM. E, mesmo depois da assinatura, a empresa tem 12 meses para utilizar o crédito.
“São empresas que fizeram cenários da evolução da sua tesouraria e em função disso pediram a linha para a utilizarem quando dela vierem a necessitar”, esclareceu Miguel Maya. Ou seja, mesmo após a aprovação do banco e da SPGM, as empresas poderão não assinar imediatamente o contrato.
A prova dos 9
“Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. Neste caso, tendo em conta os números que foram avançados quer pelo primeiro-ministro, associações empresariais e bancos, todos têm razão, dependendo do “indicador” para onde se está a olhar.
António Costa referiu-se aos montantes aprovados pela SPGM (cinco mil milhões) e aos que já foram disponibilizados às empresas (1,5 mil milhões). Já os bancos sublinharam os montantes que eles próprios já aprovaram (3,85 mil milhões), sendo que nem tudo chegou às empresas porque ou ainda aguardam ok da SPGM ou porque os clientes ainda não assinaram o contrato.
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