Aventuraram-se num novo negócio e pouco depois o país fechou
A pandemia trocou as voltas a muita gente, mas não impediu que alguns abrissem os seus negócios. O ECO ouviu as histórias de quem abriu ou expandiu negócio pouco tempo antes do país parar (outra vez).
Sandra Bugalho é cabeleireira há cerca de 20 anos. Mas, com a Covid-19, foi um dos milhares de pessoas que ficou sem emprego. Mas não desistiu e decidiu “arriscar”, abrindo o seu primeiro salão sozinha em outubro, como conta. Tal como Sandra, também José Torres, João Gonçalves, Rita Aguilar ou Ricardo Pedro estiveram contra a corrente, liderando processos de abertura ou expansão de negócios em plena pandemia.
Se a taxa de desemprego até diminuiu em 2020, a inatividade disparou porque a procura por emprego caiu. Trabalhadores confinados e grande parte da economia paralisada ou, pelo menos, impedida de operar normalmente, o mercado de trabalho alterou-se. Do outro lado, das empresas, o número de novas empresas a serem criadas em Portugal caiu para metade e as declarações de falência disparam.
Houve, ainda assim, exceções. “Já estávamos a procura de um negócio deste género, estávamos a meio do primeiro confinamento quando surgiu esta hipótese, um antigo bar de vinhos“, conta José Torres, um dos sócios do restaurante The Backyard, que abriu em novembro em Santos (Lisboa). Cientes do risco que estavam a correr, os empresários acabariam por fechar temporariamente pouco tempo depois, pois era um custo que poderiam suportar.
“Tudo aquilo que fizemos foi cientes de que poderia haver a tal segunda vaga. Nós fomos ao limite das nossas capacidades ao nível de tempo dedicado ao restaurante de forma a tentar não contratar empregados que serão precisos no futuro, fazíamos praticamente tudo e falámos logo com a proprietária do espaço para ajustar a renda“, diz.
A senhoria foi “compreensiva” e essa ajuda com a renda foi fundamental e “enquanto estivermos neste impasse de pessoas em casa e sem turistas, mantemos uma renda mais controlada, quando tudo voltar ao normal, voltamos a colocar a renda justa”. Chegaram a equacionar abrir apenas para trabalhar com a Uber Eats (com quem vão trabalhar no futuro), mas fizeram as contas e não compensaria.
Desconfinamento traz esperança a quem teve de parar
Pelo contrário, o take away foi a razão para o Aqui não comes, um serviço nascido no Alentejo, se expandir para Lisboa em dezembro. Este negócio não só surgiu da pandemia, durante o primeiro confinamento, como cresceu. “Tivemos conhecimento do projeto em setembro e acreditámos tanto nele que achámos que seria um sucesso em Lisboa agora que as pessoas estavam mais sensíveis ao take away“, explica ao ECO Rita Aguilar, que gere o serviço em Lisboa, em conjunto com a sócio Margarida Sequeira.
No segundo confinamento fez as alterações necessárias à loja, mas não pararam e expandiram-se mais rápido do que o esperado. Segundo conta Rita Aguilar, o previsto era que as entregas ao domicílio fossem apenas no concelho de Lisboa, mas com o confinamento alargaram também para os arredores da capital.
Foi também em novembro, mas noutro lado da capital (Penha de França), que surgiu o novo café Boinas, de João Gonçalves, que sempre teve “a ambição de ter um espaço comercial onde pudesse ter as [suas] ideias”. Ao contrário do The Backyard, o dono do Boinas “não estava à espera” de um novo confinamento. “Sempre pensei que isto fosse melhorando, até porque a vacina ia chegar em dezembro e fiquei um bocado atordoado”.
Decidiu fechar temporariamente o espaço, pois manteve sempre o seu trabalho principal, relata. Na próxima segunda-feira, 5 de abril, quando as esplanadas reabrirem, João Gonçalves irá finalmente abrir o Boinas. As suas expectativas estão muito altas, especialmente para o verão com o esperado regresso de turistas. “Vai ser incrível”, diz.
Já a 19 de abril, quando os restaurantes puderem abrir com restrições, é a vez do The Backyard voltar ao ativo. José Torres tem também uma perspetiva positiva até porque, quando abriu, o desempenho foi muito melhor do que esperava, com jantares de grupo e até clientes fixos. Agora “quando tiver tudo a funcionar normalmente, seguramente que as coisas melhorarão ainda mais”.
Cabeleireiros de agenda cheia
Quem já abriu, na primeira fase do desconfinamento, foram os cabeleireiros e Michele Encke tinha tudo pronto para o alargamento do negócio. Com dois salões, um em Lisboa e um em Queijas (Oeiras), decidiram abrir o novo espaço no Entroncamento em novembro em parte por se terem mudado para a zona, segundo o sócio Ricardo Pedro. “Vimos que era interessante abrir lá um salão uma vez que fazemos uma série de serviços diferentes como alisamentos a laser” e, ao analisar a concorrência da zona, encontraram essa nova oportunidade.
Abrir um negócio, especialmente sem vertente online, durante a pandemia é um desafio. Ricardo Pedro contou que “tudo foi pensado tendo em conta que [o novo confinamento] podia acontecer”. “Nós decidimos abrir [o salão], já sabendo que podia voltar a fechar”, notou. Por este motivo, escolheram uma loja não muito cara, evitaram contratar muita gente, para terem algum espaço de manobra. Vinham com bagagem do primeiro confinamento – altura em que até equacionaram fechar.
O risco de um novo confinamento estava também bastante presente na cabeça de Sandra Bugalho. “Foi um risco, mas já era altura de me aventurar“, disse ao ECO. E com essa aventura veio a desilusão pois ao contrário do comércio tradicional, ou até mesmo da restauração, não podia passar o seu negócio para o online. Sabe que houve colegas que trabalharam ilegalmente à porta fechada, mas garante que “nunca iria arriscar pôr vidas em risco ou apanhar uma multa“.
Mesmo abatida pelas perspetivas de que poderia ter de ficar fechada até maio, diz que não pensou em fechar por completo o cabeleireiro. A 11 de março o tão esperado anúncio chegou: o país iria começar a desconfinar já na segunda-feira seguinte, dia 15. E um dos primeiros setores com autorização para abrir portas foram os cabeleireiros. Assim foi, o Sandra Cabeleireiro voltou a abrir no concelho de Sintra e com agenda cheia para as primeiras semanas de desconfinamento.
Também os salões de Michele Encke reabriram todos, mas a agenda cheia em Lisboa e Queijas é uma “ilusão”, pois com as regras e a falta de pessoal, o dinheiro que entra não é o mesmo que antes. Já no Entroncamento, no novo salão, “a coisa corre relativamente bem, mas não com a agenda cheia” pois são um negócio muito recente, justificou Ricardo Pedro. Por isso vão apostar no marketing e “tentar voltar a criar o burburinho” que tinham criado previamente.
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