Ex-CEO “pronto a avançar” para compra à banca se a venda da Groundforce cair
Paulo Neto Leite conta, em entrevista ao ECO, que pretende voltar a gerir a empresa e entrar como acionista. Negócio pode ser feito com banco que penhorou a participação detida por Alfredo Casimiro.
O ex-CEO da Groundforce, Paulo Neto Leite, está a preparar a compra da empresa em conjunto com um fundo que junta capital nacional e estrangeiro. Ao ECO, o gestor explica que está disposto a avançar caso a operação com um dos três players internacionais, que estão interessados, não avance.
“É um dos cenários que pode existir”, responde Neto Leite, quando questionado sobre se pretende comprar a empresa de handling de onde foi afastado ainda em maio. “Neste momento, a Groundforce precisa de um player internacional, mas não ponho de lado que — com um fundo por trás — possa vir a avançar. Se as outras soluções não se concretizarem, estarei sempre pronto a avançar“.
O plano para o fazer com um fundo — que prefere não nomear, dizendo apenas que tem capital português e estrangeiro — está “desenhado e pronto a avançar”. O que falta? “Que se resolva o atual processo de venda. Se não tiver sucesso e for preciso encontrar outra solução, estou disponível“.
Logo no início do ano, quando começaram as dificuldades financeiras da empresa (causadas pelo impacto da pandemia no setor da aviação), surgiram manifestações de interesse na Groundforce. Já depois de meses de negociações com a TAP (principal cliente e acionista minoritário com 49,9% do capital), Alfredo Casimiro (dono de 50,1% através da Pasogal) confirmou a 8 de maio estar disponível para vender a participação que detém.
Neste momento e como está, a Groundforce não vale nada, mas a empresa tem valor. Acredito na Groundforce, na TAP e na recuperação do turismo. A empresa tem gente muito qualificada. Tem um problema de dívida, sim, mas tem essencialmente um problema do acionista.
O empresário contratou o banco Nomura para assessorar um eventual negócio. Após o fim de um período de negociações exclusivas com os espanhóis da Atitlan, há atualmente negociações a decorrer com a Aviapartner, a Swissport e o WFS. Mas esta não é a única via possível para a empresa, que ainda poderá entrar num processo de insolvência caso a justiça valide o pedido da TAP.
A posição detida pela Pasogal está sob três penhoras (duas no Montepio e uma no Novo Banco) e, após ter entrado em incumprimento, foi alvo de uma execução extrajudicial. O Montepio contratou o Bison Bank para organizar um leilão das ações, estando à espera do resultado da avaliação da Deloitte. “É aqui que eu entro”, explica Neto Leite, que — nesse cenário de aquisição por um consórcio — voltaria a ficar responsável pela gestão da empresa, mas também ficaria com parte das ações.
Tal como acontece com os restantes interessados, também este consórcio quer garantias de renovação do contrato com a TAP e das licenças da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), para operar nos aeroportos nacionais, que cessam a validade entre 2023 e 2025. Ainda não houve, no entanto, qualquer formalização de proposta junto do Governo ou da companhia aérea e Neto Leite não avança qual o montante que está disposto a pagar aos bancos.
Entre 2018 e 2019, a empresa chegou a estar à venda por 150 a 200 milhões de euros, mas essa avaliação é anterior à pandemia. “Neste momento e como está, a Groundforce não vale nada, mas a empresa tem valor“, afirma. “Acredito na Groundforce, na TAP e na recuperação do turismo. A empresa tem gente muito qualificada. Tem um problema de dívida, sim, mas tem essencialmente um problema do acionista“.
Ser administrador da TAP? “Não houve nada de formal”
O “problema” a que se refere é o mesmo que o impede de comprar diretamente a empresa ao atual dono e pela qual deixou de ser CEO da Groundforce: a deterioração da relação com Alfredo Casimiro. A “primeira grande briga” aconteceu quando a pandemia chegava à Europa e os dois discordaram sobre o pagamento dos habituais prémios aos trabalhadores e à equipa de gestão. O acionista considerava que, tal como os dividendos seriam retidos, também os prémios o deviam ser. O CEO discordava.
“Começou a ser uma gestão difícil com grandes divergências sobre a forma de gerir”, explica, sobre a altura em que a empresa decidiu pedir apoio ao outro acionista e ao ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos. “Alfredo Casimiro foi sempre muito arrogante para com a TAP e tinha uma postura de que o Governo tinha de o ajudar. Ele achou que ia conseguir tirar dinheiro dali“.
As dificuldades foram-se acumulando e “os salários de dezembro foram pagos por engano”, conta sobre um erro no encontro de contas entre TAP e Groundforce. Devido aos problemas de liquidez, a Groundforce acordou com a TAP que esta iria adiantar faturas de serviços. Enquanto isto decorriam negociações para que a empresa recebesse aval do Estado (através do Banco de Fomento) para um empréstimo bancário (com a Caixa Geral de Depósitos) de 30 milhões de euros.
Mas “o aval não chegou” e “o Banco de Fomento começa a pedir que seja feita uma reestruturação”, numa altura em que já não havia dinheiro para salários que viriam a falhar em março. A situação agravou-se quando a companhia aérea pediu garantias e, após várias reuniões, foi tornado público que a participação de Casimiro não podia ser dada como colateral por já estar penhorada na banca.
Começou a ser uma gestão difícil com grandes divergências. Alfredo Casimiro foi sempre muito arrogante para com a TAP e tinha uma postura de que o Governo tinha de o ajudar. Ele achou que ia conseguir tirar dinheiro dali.
O clima de tensão aumentou com acusações e uma gravação não autorizada de uma conversa com o ministro. “O Alfredo Casimiro destruiu-se com o ego. A partir daí, foi o descalabro total”, conta o ex-CEO. “Decidiu que não queria pagar nada e eu disse que ia pagar 75% dos salários até um máximo de 500 euros, com dinheiro da Segurança Social e que havia em caixa. Fui contra a vontade dele”, explica sobre a decisão que viria a ser indicada como uma das razões para o despedimento.
Já depois disso, a TAP e a Groundforce chegavam a uma nova solução e assinavam um contrato de sale and leaseback de equipamentos para desbloquear 7 milhões de euros, que mais tarde Casimiro viria a rasgar alegando ser um acordo ilegal. Essa foi outra das razões para o afastamento: no processo de decisão sobre avançar com a operação, Neto Leite votou ao lado da TAP a favor do acordo.
A 5 de abril, era anunciada a destituição do então CEO após uma “violação grave dos deveres de lealdade”, tendo sido substituído por Casimiro. Um mês depois, a assembleia geral de acionistas votou o despedimento por justa causa e o afastamento também do cargo de administrador, que foi aprovado apesar da oposição da TAP. “Sempre fui leal à minha ética, tudo o que fiz foi a pensar nos trabalhadores e na recuperação da empresa”, diz Neto Leite, que está a “aguardar serenamente” a contestação da decisão sobre o despedimento.
A saída coincidiu com um momento em que a TAP preparava um novo conselho de administração, que será votado na próxima semana, e o ex-CEO chegou a ser apontado como possível nome, mas rejeita. “Não houve nada de formal sobre isso. Nunca ninguém falou comigo sobre isso”, garante, sublinhando que, se fosse o caso, “teria todo o gosto em servir o país”. Quanto à nova gestão da companhia aérea, acrescenta: “Desejo-lhes muita sorte porque o país e o turismo precisam de uma TAP forte“.
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