Ninguém arrisca dizer que inflação atingiu pico nos 8%
Os economistas concordam que a previsão subjacente ao Orçamento para 2022 já está desatualizada, mas não arriscam a dizer se já chegamos ao pico da inflação em Portugal.
A curva da evolução da taxa de inflação aponta cada vez mais para cima, mas será que o pico já chegou? Os economistas consultados pelo ECO não arriscam dar uma resposta definitiva dada a incerteza que se vive na economia mundial, mas antecipam que a taxa de inflação deverá desacelerar no segundo semestre deste ano. Para já, voltou a acelerar em maio para 8,1% (IHPC) em Portugal, igual à média da Zona Euro, a qual também acelerou.
“Seria surpreendente se durante os próximos meses a inflação não começasse a inverter a trajetória que tem sido observada“, responde o professor de macroeconomia da Nova SBE, Pedro Brinca, quando questionado pelo ECO. O argumento do economista é que, se o banco central conseguir reajustar as expectativas dos agentes económicos face aos preços, “espera-se que a inflação comece a abrandar de forma significativa“, de tal forma que há projeções que admitem uma taxa de inflação abaixo do objetivo de 2% em alguns meses de 2023.
João Borges da Assunção, da Católica, considera que a taxa de inflação “ainda pode subir um pouco mais até final do verão“, assinalando que tal “também depende do que o Banco Central Europeu decida fazer”. Neste momento, a expectativa é que o BCE comece a subir os juros diretores na reunião de julho e depois novamente em setembro, acabando com as taxas negativas, parando depois para avaliar as causas da inflação na Zona Euro.
Mas há quem prefira ser ainda mais cauteloso: “Em rigor, é muito incerto se já passámos ou ainda chegaremos ao pico da inflação“, responde António da Ascensão Costa, do ISEG. Paulo Rosa, do Banco Carregosa, também não se compromete, dizendo apenas que “a transição e a segurança energética têm um preço denominado de inflação” e, portanto, “enquanto a escalada do preço da energia se mantiver, a inflação em Portugal vai continuar em alta e a penalizar a economia nacional“.
Mesmo que esta subida a pique, acompanhada pela inflação subjacente (a que exclui as componentes mais voláteis, como é o caso da energia), ainda não tenha chegado ao cume da montanha, uma coisa já é certa: a previsão do OE2022 de um IHPC de 4% e um IPC de 3,7% está desatualizada, como já tinha dito o Conselho das Finanças Públicas. “Acredito que os números finais da inflação ainda abrandem significativamente até ao fim do ano, mas creio que a expectativa é que fiquem bastante acima dos 4%”, antecipa Pedro Brinca.
Uma opinião corroborada por António da Ascensão Costa, com a economia a apontar para uma taxa de inflação superior a 6%. “O crescimento rápido da taxa de inflação não é impossível, mas a sua desaceleração continuada, depois de a inflação se ter transmitido aos setores menos voláteis (que estão na base da inflação subjacente), e de se ter incorporado nas expectativas dos agentes, será sempre mais lenta“, explica o professor do ISEG.
Contudo, “tudo depende da evolução das cotações dos combustíveis fósseis”, recorda Paulo Rosa, referindo que, “se a guerra na Ucrânia acabasse hoje, talvez a inflação em Portugal ficasse até abaixo dos 4% em 2022“.
De acordo com as contas do Fórum para a Competitividade, “sem mais subidas de preços, a inflação média de 2022 seria de 6,7%”, lê-se na última nota de conjuntura divulgada na semana passada. Mais: “Para se atingir o valor de 3,7% previsto no Orçamento para 2022, a inflação mensal teria que ser, em média, negativa em 1,2% todos os meses, entre junho e dezembro, o que é extremamente inverosímil“, calcula o economista Pedro Braz Teixeira. O próprio admite que é frequente haver variações mensais negativas no caso da inflação, sendo que são “prováveis” em 2022 por causa da oscilação dos preços da energia. No entanto, dificilmente serão na dimensão necessária para alcançar a previsão do Governo.
Mais preocupante poderá ser a evolução da inflação subjacente, uma tendência que o Banco de Portugal — que vai atualizar as suas previsões este mês — já tinha identificado, com o contágio dos preços da energia ao resto da economia. “A inflação subjacente passou de 5,0% para 5,6%, ficando ainda mais acima do indicador equivalente dos nossos parceiros, o que não é nada tranquilizador“, alertava o Fórum para a Competitividade.
Inflação portuguesa acelera e iguala média europeia
Se no início da escalada dos preços Portugal destacava-se como um dos países com menor taxa de inflação, neste momento já atingiu a média ponderada da Zona Euro, ainda que continue a ser o quinto país, entre 27 Estados-membros, com a taxa mais baixa. Por detrás desta evolução desigual da inflação entre os países europeus está a dependência energética face ao exterior e o mix energético, nomeadamente uma menor ou maior utilização do nuclear ou das renováveis.
Pedro Brinca considera que é “difícil de dizer se estamos a experienciar a mesma dinâmica de inflação que os outros países apenas com um desfasamento de alguns meses”, mas reconhece que “Portugal teve de certa forma protegido dos impactos iniciais do aumento dos preços da energia por não estar diretamente exposto às importações de gás natural da Rússia”. Agora, num segundo momento, “acaba por sofrer também através de inflação importada (preços de bens importados que aumentaram)”.
Para António da Ascensão Costa, “em Portugal, a inflação começou a acelerar mais tarde, digamos que relativamente pouco até ao final do ano anterior, e ‘disparou’ com o início do corrente ano e ainda mais com a invasão da Ucrânia”. O economista admite que até possa vir a ultrapassar a média europeia durante “alguns meses” dado esse desfasamento.
Paulo Rosa, do Banco Carregosa, atribui as diferenças às dependências de cada país — segundo a Bloomberg, a diferença entre a taxa de inflação entre os 27 Estados-membros nunca foi tão grande –, a começar por França onde “70% da eletricidade é fornecida pelas centrais nucleares”, o que permite à economia francesa “evitar parte da subida da inflação”. Logo a seguir a Malta, França é o país da União Europeia com a taxa de inflação mais baixa, nos 5,8% em maio.
Já a “Alemanha e Itália são mais dependentes do gás natural da Rússia” e Portugal é “dos países mais dependentes do exterior em termos de energia primária”. “Sendo assim, países como Portugal, Itália e Alemanha são dos mais penalizados pela subida dos preços dos combustíveis fósseis e, consequentemente, a inflação homóloga verificada no mês de maio foi das mais elevadas”, nota o economista sénior do Banco Carregosa.
Embargo a 90% do petróleo russo pode agravar tendência
Contudo, a evolução futura da taxa de inflação poderá também ser afetada pelo embargo a 90% do petróleo russo que faz parte do sexto pacote de sanções da União Europeia à Rússia. “Pode aumentar a perturbação na formação de preços nos mercados de energia e nesse sentido agravar pontualmente“, admite João Borges Assunção.
Uma opinião partilhada por Paulo Rosa: “O embargo ao petróleo russo pode resultar em escassez mundial desta matéria-prima e gera, com certeza, ineficiência no seu transporte, culminando num custo maior deste hidrocarboneto”. “Como a inflação é sobretudo impulsionada pelos preços energéticos, uma alta da cotação do petróleo redundará em mais inflação“, considera o economista sénior do Banco Carregosa.
Já Pedro Brinca argumenta que o impacto “tende a ser cada vez menor à medida que várias políticas e estratégias de adaptação foram postas em prática com vista a substituir o tipo e origem da energia importada da Rússia” pelo que o efeito não será elevado a médio prazo. No caso do petróleo, o economista diz que este é “de muito mais fácil substituição que o gás natural, devido à forma como é distribuído e à capacidade de outros mercados aumentarem a produção a substituírem o fornecimento de petróleo russo”. Ainda esta quinta-feira a OPEP+, o cartel do petróleo, anunciou um aumento de produção de barris acima do esperado.
Numa nota divulgada na semana passada, a equipa do BPI Research reconhecia que o “anúncio de novo pacote de sanções com embargo quase total ao petróleo Russo coloca pressão sobre o preço do crude”. Porém, dava ênfase a uma outra notícia que pode ter o efeito contrário na evolução da inflação: “Fica por confirmar a possível abertura de um corredor marítimo para saída de cereais dos portos da Ucrânia pelo Mar Negro, e a possível acalmia nestas commodities“. A concretização destas medidas e o calendário em que tal acontecer será determinante para perceber a evolução dos preços nos próximos meses.
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