Empresários “poupam” banca e energia a imposto sobre lucros excessivos
Populista, pouco racional, ineficaz, para engordar o Estado e mau sinal para os investidores. Líderes empresariais recusam taxa adicional para bancos e energéticas, que dispararam lucros no semestre.
Os empresários e gestores portugueses torcem o nariz à possibilidade de ser introduzida uma tributação sobre os lucros extraordinários nos setores da energia e da banca, como é reclamado pelos partidos da esquerda e que já está a avançar noutros países europeus, como em Itália, no Reino Unido ou mais recentemente em Espanha. Exaustão fiscal e ineficácia da medida é a justificação apontada pela maioria dos líderes empresariais ouvidos pelo ECO.
A hipótese de avançar com uma windfall profit tax (imposto sobre lucros caídos do céu, na tradução corrente) para as petrolíferas e para os bancos — para vigorar de forma temporária e como estratégia para financiar os pacotes de apoio às famílias e às empresas mais vulneráveis à guerra na Ucrânia e ao disparo da inflação — voltou à agenda política em Portugal depois de as principais empresas destes setores de atividade terem apresentado os resultados do primeiro semestre.
Embora os resultados da EDP tenham tido uma quebra homóloga de 11% nos primeiros seis meses deste ano, em média, o aumento registado nos lucros das energéticas nacionais que apresentaram contas na semana passada foi de 50% (as outras que divulgaram dados foram a Galp, a EDP Renováveis e a REN). Já no caso dos bancos, os lucros aumentaram até junho para 1.000 milhões de euros, ficando 75% acima do registo do ano passado.
Carlos Vasconcellos, ex-CEO da PT Comunicações e atual presidente da Quantico, que em parceria com a Albatross Capital gere atualmente um portefólio de 15 projetos imobiliários em Portugal, sublinha ao ECO que “em Portugal os impostos sobre as empresas são já elevados e não deverão aplicar-se quaisquer aumentos, sob pena de perdermos competitividade e darmos aos investidores um sinal de que o nosso sistema fiscal não é estável”.
“Sou absolutamente contra o aumento ou criação de qualquer imposto extraordinário, seja ele sobre a banca, o setor energético ou outro qualquer. Qualquer imposto acaba por se refletir no consumidor final”, concorda Catarina Almeida, CEO da Pantest, para quem esta medida “seria ineficaz e apenas para engordar o Estado e o buraco negro para onde vão os impostos pagos pelos contribuintes” portugueses.
A dona da empresa de testes rápidos na área da saúde, que tem fábrica em Oliveira de Frades e planos para construir outra em Angola, fala em “populismo puro”. E faz questão de deixar algumas sugestões ao Governo para ajudar as pessoas e empresas mais afetadas pela atual conjuntura: reduzir a carga fiscal sobre as empresas e os particulares (IRS), baixar o IVA sobre a eletricidade ou eliminar a taxa de contribuição do audiovisual. “Façam essa redistribuição da ‘riqueza’ começando por dar o exemplo”, completa.
Em Paredes, onde está instalada a histórica empresa de eletrodomésticos Meireles, também há outra voz “totalmente contra” a criação de mais impostos ou o agravamento de taxas, como esta. Bernardino Meireles contesta que “estas soluções são geralmente apresentadas por correntes políticas da extrema-esquerda, que apenas pretendem beneficiar de atitudes populistas para gáudio dos seus eleitores”. “Mais admissível de aceitar”, contrapõe o empresário nortenho, “seria o Governo exigir a essas empresas que uma parte desses lucros fosse reinvestida para promover a inovação produtiva e tecnológica, beneficiando a sociedade no seu todo”.
Sou totalmente contra a criação de mais impostos e de agravamento de taxas. Mais admissível de aceitar seria o Governo exigir a essas empresas que uma parte desses lucros fosse reinvestido para promover a inovação produtiva e tecnológica beneficiando a sociedade no seu todo.
“Mais populista do que racional” é também como o diretor-geral da ColchaoNet classifica esta hipotética decisão, frisando que um novo imposto pode garantir mais receita imediata ao Estado, mas “não vai impedir que essas empresas continuem a aproveitar-se do contexto que vivemos atualmente”. Além de não confiar que essa receita venha a ser “distribuída corretamente” pela população ou pelas empresas mais penalizadas pelo aumento dos custos.
Luís Fialho, porta-voz da retalhista detida pelo grupo Aquinos que soma 31 lojas no país e vai abrir mais três em Aveiro, Coimbra e Leiria até dezembro, completa que “a verdade é que não existem soluções ideais e mágicas que levem a uma redução imediata da inflação, mas uma regulação de preços finais e controlo das margens de lucro praticadas pelas empresas energéticas poderia ajudar a controlar a inflação e a mitigar o impacto junto da população e das empresas”.
Banqueiros contestam, Belém hesita
Nos últimos dias, os presidentes dos bancos vieram a terreno contestar o cenário de mais impostos sobre o setor. Pedro Castro e Almeida (Santander Totta) frisou que “só uma banca rentável é que pode apoiar a economia”. João Pedro Oliveira (BPI) disse que “os resultados da banca podem parecer expressivos, mas em termos relativos não são”. “Lucros excessivos? Até agora zero”, concordou Paulo Macedo (CGD). Miguel Maya (BCP) contrariou que tem “apanhado fardos pesadíssimos caídos do céu”, apontando aos 60 milhões que o banco pagou em contribuições bancárias no país, incluindo para o Fundo de Resolução.
O Bloco de Esquerda e o PCP vieram desafiar o Governo liderado por António Costa a avançar com a taxação dos lucros extraordinários no Orçamento do Estado para 2023. Mas no final da última reunião do Conselho de Ministros, Mariana Vieira da Silva remeteu novidades para setembro e outubro, quando está prevista a apresentação de um novo pacote de medidas para as famílias e para as empresas, assim como a apresentação da proposta orçamental para o próximo ano.
“Ao longo dos últimos anos não temos deixado de considerar todas as formas de podermos concretizar esse apoio. Quando elas estiverem devidamente estudadas, avaliadas e enquadradas naquele que é também um compromisso do Governo de contas certas, serão apresentadas”, resumiu a ministra da Presidência e, por força das férias de António Costa, também primeira-ministra em exercício.
Um dia depois, Marcelo Rebelo de Sousa não descartou a ideia, dizendo que o cenário pode colocar-se caso não haja maior responsabilidade social destas empresas. “Não podem ignorar os que sofrem à sua volta. Têm de investir mais em termos sociais, sacrificando dividendos”, reforçou o Presidente da República, reconhecendo que “é difícil encontrar uma solução que não seja retroativa, que seja justa” e que “abarque todos” os setores que estão a beneficiar destes lucros.
Rui Pereira da Silva, CEO da tecnológica HCCM Consulting, que faturou cinco milhões de euros em 2021, recorda que as empresas nacionais “já pagam uma alta percentagem de impostos quando comparamos com outros países” e partilha das dúvidas presidenciais sobre “a fiscalização da aplicação deste valor extraordinário de receita fiscal”. Questionando se o valor seria mesmo aplicado na totalidade na ajuda à economia e aos mais necessitados ou no final acabaria por ter um impacto indesejado nos custos para os consumidores.
Para que a atratividade fiscal de Portugal para investidores não seja afetada, esta medida deveria ser a nível europeu, com regras e percentagens iguais porque algumas empresas ou os bancos que são alvo destas taxas atuam em várias geografias.
“Para que a atratividade fiscal de Portugal para investidores não seja afetada, esta medida deveria ser a nível europeu, com regras e percentagens iguais porque algumas empresas ou os bancos que são alvo destas taxas atuam em várias geografias onde o impacto da guerra na Ucrânia ou da inflação poderá ser diferente – e nestes casos com lucros inesperados variáveis”, argumenta o gestor da empresa de tecnologias de informação vendida este ano pela HCapital ao grupo israelita Aman.
A maior parte das dezenas de empresários contactados pelo ECO nos últimos dias recusou comprometer-se com uma tomada de posição pública sobre este tema. Entre os que ousaram dar a sua opinião, apenas um deles – André Brodheim, administrador do grupo Brodheim – apoiou abertamente a possibilidade de avançar com um imposto deste género em Portugal, embora tenha imposto condições.
“Estaríamos de acordo que houvesse uma ligação direta do valor deste imposto à redução dos preços de energia e de custos da banca para o consumidor — e assim reverter diretamente às populações num rácio pré-acordado. Assim iríamos garantir que o valor deste imposto reverteria mesmo para a sociedade”, declarou o administrador do grupo que comercializa e distribui artigos de moda – representa marcas como Burberry, Guess, Timberland, Carolina Herrera ou Vans – e que é dono da Optivisão.
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