Draghi pronto a desligar a impressora. Que impacto terá nas famílias, empresas e no Estado?
Mario Draghi deverá anunciar que se prepara para desligar as impressoras. Está à vista o fim do dinheiro barato na Zona Euro que vai significar um aperto no orçamento dos portugueses.
Não se esperam grandes decisões da primeira reunião do ano do Banco Central Europeu (BCE), mas isso não retira o protagonismo que Mario Draghi vai passar a assumir a partir desta quinta-feira em diante. Tudo indica que o italiano vai aproveitar a conferência de imprensa após a reunião do Conselho de Governadores para deixar no mercado a imagem de que se prepara para desligar a impressora das notas que tem animado a economia da Zona Euro. É o fim do dinheiro barato à vista e isso vai ter implicações sérias na vida das famílias, empresas e Estado em Portugal.
Não é que o dinheiro vá ficar mais caro já a partir de hoje. Na verdade, os economistas esperam que o fim do programa de compras de dívida pública só ocorra no final do ano e uma subida da taxa de juro — atualmente em mínimos históricos nos 0% — apenas em 2019, isto quando a economia estiver suficientemente robusta para absorver o impacto de uma política monetária mais contracionista.
Porém, a partir do momento em que Draghi sinalizar o fim de uma era de estímulos sem precedentes, o aperto do cinto em Frankfurt vai chegar rapidamente ao bolso dos portugueses, com o mercado antecipar-se a um novo enquadramento monetário na região. Quando?
Em relação às famílias, o mais provável é que se venha a assistir a uma subida das taxas Euribor — que estão associadas a grande parte dos empréstimos dos bancos — já na segunda metade deste ano, antecipam Rui Serra e Filipe Garcia, economistas do Montepio e da IMF – Informação de Mercados Financeiros.
“Quando as Euribor começarem a subir, vai sentir-se o impacto nas prestações dos créditos indexados a taxas variáveis. Não esperamos nem subidas rápidas nem muito pronunciadas, mas será sempre um desafio crescente para as famílias porque irá afetar uma parte do rendimento familiar“, explica Filipe Garcia. Isto ajuda a explicar porque razão o Banco de Portugal e o próprio Presidente da República têm vindo alertar para um novo aumento do crédito às famílias: daqui para a frente as condições vão agravar-se e as prestações ao banco vão aumentar a expensas de um orçamento familiar mais reduzido. Déjà vu?
Rui Serra concorda com a análise de Filipe Garcia, mas dá o outro lado da moeda: “Se a subida das taxas é negativa para as famílias endividadas, ela também é positiva para as famílias com depósitos e outras aplicações com rendimento indexado às taxas de juro, dado passarem a ter maiores rendimentos de capitais (algo que também irá beneficiar o Estado em termos de impostos arrecadados).”
Quando as Euribor começarem a subir, vai-se sentir o impacto nas prestações dos créditos indexados. Não esperamos nem subidas rápidas nem muito pronunciadas, mas será sempre um desafio crescente para as famílias porque irá afetar uma parte do rendimento familiar.
“Para as empresas, o fenómeno é semelhante, mas só em parte”, prossegue Filipe Garcia. “Isto porque as empresas têm muito mais oscilações de spread do que as famílias, não podendo ter beneficiado na totalidade da queda das Euribor. Por outro lado, grande parte dos financiamentos indexados tem um floor na Euribor nos 0%. Ora isso significa que as empresas não irão sentir no imediato as subidas das Euribor, mas apenas quando se tornarem positivas, o que pode nem acontecer este ano”, explica.
No caso dos bancos, as perspetivas são mais otimistas. O economista do Montepio salienta que “uma parte das fontes de financiamento dos bancos (os depósitos à ordem, que para a maioria dos clientes não é remunerado ou é remunerado a taxas muito perto de zero) não deverá acompanhar, pelo menos na mesma magnitude, as subidas das taxas de juro do mercado monetário”. Pelo que uma subida das taxas de juro acaba por constituir “uma boa notícia para a rendibilidade dos bancos, para a sua sustentabilidade e, em última análise, para a economia no seu todo” com bancos mais sólidos, conclui Rui Serra.
Para os cofres dos Estado (e dos contribuintes), se o impacto nas taxas de juro das obrigações a longo prazo será reduzido, o efeito de um aperto das condições monetárias do BCE será sentido sobretudo nas emissões de dívida de curto prazo.
“O facto de a taxa de desconto se situar hoje nos -0,4% tem permitido ao Tesouro financiar-se a taxas negativas através dos bilhetes do Tesouro”, diz Filipe Garcia, notando que não é certo que isso aconteça este ano.
Já em relação às emissões de longo prazo, há vários fatores que ajudam a absorver o impacto do BCE. Rui Serra enumera: “A subida das taxas das obrigações deverá ser inferior à que se estima para a Alemanha (onde as taxas estão excessivamente baixas), dado que o spread da dívida portuguesa poderá continuar a cair (refletindo a redução do risco da economia portuguesa, patente na melhoria do rating por parte das diversas agências de notação financeira), bem como pelo facto de o BCE ter comprado montantes de dívida portuguesa inferiores à quota prevista no programa para Portugal”.
Uma parte das fontes de financiamento dos bancos (os depósitos à ordem, que para a maioria dos clientes não é remunerado ou é remunerado a taxas muito perto de zero) não deverá acompanhar, pelo menos na mesma magnitude, as subidas das taxas de juro do mercado monetário, pelo que uma subida das taxas de juro constitui uma boa notícia para a rendibilidade dos bancos, para a sua sustentabilidade e, em última análise, para a economia no seu todo.
Portugal saiu da categoria de “lixo” para a S&P em setembro. Em dezembro, Costa recebeu mais uma boa notícia, com a Fitch a decidir fazer o mesmo, colocando Portugal no radar dos grandes fundos de investimento em dívida soberana. A diminuição do risco percecionado pelos investidores levou os juros da dívida a tocarem mínimo de 2015, com a taxa a dez anos a rondar os 1,68% — o spread igualou o de Itália. A coincidência da subida do rating com o início do fim dos estímulos poderá permitir ao país garantir financiamento a custos reduzidos daqui em diante, especialmente se se mantiver a trajetória positiva da economia que permite défices cada vez menores. Em 2018 deverá ser de 1,1%.
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