Défice que vira excedente e volta a défice. Como assim?
O INE divulgou um excedente orçamental de 0,7% até setembro, mas as contas do Estado vão voltar a um défice na reta final do ano. Saiba o que vai acontecer.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou esta sexta-feira dados novos sobre as contas públicas. Todos apontam para uma melhoria na execução do Orçamento do Estado de 2018 e abrem até a possibilidade de o resultado final ser mais favorável do que o Governo prevê. Uma hipótese já admitida por Mário Centeno, horas depois de conhecer os dados do INE. Mas afinal que números divulgou o INE, o que significam, o que aconteceu e o que ainda pode acontecer? Vamos por partes.
Que números são estes e o que significam?
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Saldo positivo de 6% no terceiro trimestre
A diferença entre receitas e despesas das Administrações Públicas foi de 3.082,2 milhões de euros. Isto significa um saldo positivo num valor equivalente a 6% do PIB. Mas este resultado refere-se apenas ao terceiro trimestre. Ou seja, entre julho e setembro. No ano anterior, o saldo foi também positivo, mas de 2,3% (1.123,8 milhões de euros). O bom desempenho neste período influenciou positivamente as restantes formas de medir o saldo orçamental.
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Excedente de 0,7% entre janeiro e setembro
Quando se acrescentam mais meses ao cálculo do saldo orçamental, as contas públicas continuam a apresentar um excedente, mas menor. Foi o que aconteceu quando o INE foi apurar a diferença entre receitas e despesas nos três primeiros trimestres do ano. As primeiras superaram as segundas em 1.111,2 milhões de euros, o equivalente a 0,7% do PIB. Em 2017, para o mesmo período, as contas públicas apresentavam um défice de 3,2%. Este é o saldo mais relevante de seguir já que é o que compara com a meta do que o Governo tem para o conjunto do ano, e que aponta para um défice de 0,7% do PIB.
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Saldo nulo no ano terminado em setembro
Acrescentando mais um trimestre a esta análise — o último de 2017 –, o INE calcula o saldo no ano terminado em setembro. E neste caso foi ligeiramente positivo, mas correspondente a 0% do PIB. No período homólogo, ou seja, no ano terminado em setembro de 2017, as contas públicas tinham apontado para um défice de 1%.
Estes valores estão todos na ótica de contabilidade nacional, ou seja, de compromissos. É nesta perspetiva que o INE apura dados sobre contas nacionais e também é esta a lógica seguida por Bruxelas, para verificar se os Estados-membros cumprem as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
O que aconteceu no terceiro trimestre?
Para se perceber por que razão Portugal tem um excedente de 0,7% nos três trimestres de 2018 é útil verificar o que aconteceu nos meses entre julho e setembro. Os dados divulgados esta sexta-feira ajudam a perceber isso melhor. E a mensagem parece ser esta: o que ajuda nas contas correu bem e o que pesa nas contas públicas ainda não está a pesar. Resultado: a receita total cresceu 9,5% ao passo que a despesa total aumentou 1%, uma diferença bastante significativa a favor da entrada de verbas nos cofres públicos.
No caso da receita, há vários fatores que explicam este desempenho, como sejam o crescimento económico, a evolução do mercado de trabalho, a entrada de uma receita extraordinária já prevista mas que chegou agora, e também alguns fatores especiais relacionadas com diferenças de prazos de liquidação de impostos.
“Para o comportamento da receita contribuiu essencialmente o aumento da receita fiscal (10,8%) e das contribuições sociais (5,0%), refletindo a magnitude e composição do crescimento económico e a melhoria do mercado de trabalho”, diz o INE. “Contudo, o crescimento da receita fiscal reflete também fatores especiais, nomeadamente desfasamentos nos pagamentos e/ou reembolsos que afetaram a evolução entre o segundo e o terceiro trimestre”, acrescenta o instituto estatístico.
O crescimento da receita de IVA disparou entre o segundo e o terceiro trimestre, de 1,9% para 9,1%, e, além disso, deu-se uma “alteração no regime do IVA sobre as importações extracomunitárias” que, o INE explica, “deixou de ser cobrado no ato de desalfandegamento, passando a ser liquidado no momento da venda do mercado interno”. O instituto estatístico adianta que esta alteração empurrou parte da receita do segundo trimestre para o terceiro.
Também a receita de IRC, que cresceu 25%, resultou de uma transferência de receitas do segundo para o terceiro trimestre do ano. Além da redução dos reembolsos de 2,2% observou-se um “aumento de 16,5% na receita bruta, reflexo do acréscimo das autoliquidações e dos pagamentos por conta“.
No IRS aconteceu também uma situação semelhante, a beneficiar as contas dos meses entre julho e setembro. “O aumento no terceiro trimestre (9,7%, em termos homólogos), após a redução na receita do segundo trimestre de igual magnitude, esteve associado à antecipação, em 2018, dos reembolsos para os meses de abril e maio e, no terceiro trimestre, ao aumento dos pagamentos adicionais relativos ao acerto do imposto de 2017.”
Da receita de capital chegou também uma ajuda. Esta “apresentou um aumento de 115,7% (173 milhões de euros), maioritariamente explicado pela recuperação de parte da garantia (166,3 milhões de euros) prestada ao Banco Privado Português em 2010“, explica o INE.
Do lado da despesa, o INE chama a atenção para um conjunto de fatores que transforma o terceiro trimestre num período livre de despesas pesadas. O aumento de capital no Novo Banco, feito através do Fundo de Resolução, no valor de 792 milhões de euros, e o empréstimo do Tesouro para pagar aos lesados do BES (de 121,4 milhões de euros) foram registados no saldo orçamental em contabilidade nacional no segundo trimestre.
Além disso, este período não reflete ainda o pagamento do subsídio de Natal a funcionários públicos e pensionistas, que este ano acontece em novembro e dezembro, enquanto no ano passado ainda era pago em duodécimos.
Depois de um excedente, como vai voltar a défice?
A maior parte destes efeitos especiais, que tornaram o terceiro trimestre num período de ouro para as contas públicas — que o Ministério das Finanças classifica como o “melhor desempenho de sempre para as contas públicas” –, vai desaparecer no último trimestre.
Na nota, o INE destaca logo um: “O pagamento do subsídio de Natal, que em 2018 voltou a ser pago integramente no quarto trimestre o que se refletirá, tudo o resto constante, num aumento significativo da despesa com pessoal e das prestações sociais (pensões) no quarto trimestre de 2018″. O Governo já tinha chamado a atenção para este fator, que por si só representa um acréscimo nos gastos de 2.980 milhões de euros.
Só este efeito, e se nada mais acontecesse, o saldo passaria de um excedente de 1.111,2 milhões de euros para um défice de 1.868,8 milhões de euros. Este défice é ainda superior ao projetado no Orçamento do Estado, que aponta para um saldo negativo de 1.456,5 milhões de euros. Isto significa que, se Mário Centeno já admite que o défice possa ficar abaixo do previsto, estará à espera de uma outra ajuda. De qual não se sabe mas a recente revisão em baixa da projeção de crescimento do PIB feita pelo Banco de Portugal (para 2,1% contra os 2,3%) não é uma boa notícia.
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