Prova dos 9: Há técnicos do BCE nas reuniões dos bancos portugueses, como diz Marques Mendes?
Marques Mendes diz que hoje em dia a supervisão é tão intrusiva ao ponto de os técnicos do BCE assistirem às reuniões da administração dos bancos. É mesmo assim?
Foi Marques Mendes quem lançou o repto na antena da SIC este domingo. “A supervisão do Banco Central Europeu (BCE) é que é in loco. [Os técnicos] estão lá dentro, podem ir mesmo às reuniões das decisões, até do conselho de crédito. Isto é tão importante porque dá garantias às pessoas. Os órgãos especializados em economia deviam fazer reportagens para mostrar às pessoas como é que é a nova supervisão nestes bancos do BCE para não sermos fatores apenas de maledicência, ou fator de crítica, mas também fator de mostrar o lado positivo, construtivo e de mudança”, disse o comentador.
Marques Mendes falava no seu espaço de comentário semanal na estação de Paço de Arcos e tentava explicar como dificilmente os problemas que se verificaram na Caixa Geral de Depósitos (CGD) nos últimos poderiam repetir hoje em dia. “Poder pode, mas já não é tão provável. É bastante mais difícil”, começou por dizer.
De seguida completou o seu raciocínio: “Vou dizer uma coisa que o grande público talvez não saiba: no futuro não vai ser possível repetir, pelo menos, com tanta probabilidade, situações de promiscuidade, situações de créditos mal concedidos, falta de garantias. Mas porquê: é a sua fé? Não. É por uma razão muito simples, factual: é que mudou a supervisão. Até agora a supervisão era do Banco de Portugal. A partir de agora, Caixa Geral de Depósitos, Novo Banco, BCP, BPI e Santander, a supervisão dos grandes bancos é do BCE”.
A afirmação
“Até agora a supervisão era do Banco de Portugal. A partir de agora, na Caixa Geral de Depósitos, Novo Banco, BCP, BPI e Santander, a supervisão dos grandes bancos é do Banco Central Europeu. Não é apenas uma mudança de identidade. É que dantes a supervisão do Banco de Portugal era à distância, muito formal, muito burocrática. Agora, e este é um dado que pouca gente sabe, os colaboradores do BCE estão dentro de cada um dos bancos. Ou seja, é uma supervisão intrusiva, quase que acompanha em tempo real.”
“Veja bem que os colaboradores do BCE que estão dentro dos bancos, na Caixa, no BCP como no Novo Banco, podem ir às reuniões do conselho de administração, podem ir às reuniões da comissão executiva, podem ir às reuniões do conselho de crédito ou de qualquer comissão especializada. Ou seja, acompanham, auditam, fiscalizam quase em tempo real. Isto é uma garantia para as pessoas.”
Os factos
A supervisão mudou mesmo nos últimos anos. Sobretudo depois a entrada em vigor do Mecanismo Único de Supervisão (MUS), em novembro de 2014. Este mecanismo é da responsabilidade do BCE. Nem todos os bancos estão na esfera da supervisão do MUS. Faz-se uma distinção entre instituições de crédito significativas (sob a supervisão direta do BCE) e as menos significativas (sob supervisão direta das autoridades de supervisão nacionais).
O que é uma entidade supervisionada significativa? São os grandes bancos, como diz Marques Mendes. Por exemplo, o BCE supervisiona diretamente a Caixa, BCP e Novo Banco (neste caso, a Nani Investments, veículo do Lone Star que controla 75% do banco português). Já o BPI é supervisionado pela autoridade europeia por via do CaixaBank, assim como o Santander Totta o é através do grupo Santander (ambos detidos a 100% pelos espanhóis). O BCE supervisiona diretamente 114 grandes bancos europeus.
Exemplos de bancos portugueses menos significativos e que estão sob a alçada do Banco de Portugal (em cooperação com o BCE): o Montepio ou Crédito Agrícola.
É dentro dos grandes bancos (como a Caixa) onde trabalham as chamadas equipas conjuntas de supervisão. Cada banco significativo é supervisionado por uma destas equipas que reúne técnicos do BCE e das autoridades de supervisão nacionais. O tamanho, a composição geral e a organização de uma equipa conjunta de supervisão varia consoante o tamanho, o modelo de negócios e o perfil de risco do banco que supervisiona. Ou seja, quanto maior o banco e mais arriscado for o seu negócio, maior será a equipa conjunta de supervisão.
Qual a missão destas equipas? Em termos gerais, fazem uma supervisão contínua do grande banco, servindo de ponte de ligação entre os supervisionados e autoridade supervisora. De acordo com o MUS, são quatro as principais tarefas:
- Realizar o processo de revisão e avaliação de supervisão (SREP);
- Propor o programa de exame de supervisão, incluindo um plano de inspeções no local;
- Implementar o programa aprovado de supervisão e quaisquer decisões de supervisão;
- Assegurar a coordenação com as equipas de inspeção in loco e manter contacto com os supervisores nacionais.
Além das atividades previstas no plano, há outras atividades que não podem ser planeadas antecipadamente, como a avaliação da adequação e idoneidade dos gestores, a gestão de situações de crise ou sempre que um banco compra outra instituição ou há um aumento inesperado do risco.
Cada equipa conjunta de supervisão tem um chefe, que é um coordenador do BCE. Também há um ou dois subcoordenadores das autoridades nacionais competentes (Banco de Portugal) que ajudam o coordenador a supervisionar o banco numa base diária. Os coordenadores são nomeados por um período de três a cinco anos. Os elementos das equipas conjuntas de supervisão têm várias nacionalidades e devem “rodar” regularmente, mas não todos ao mesmo tempo.
Ter estas equipas de supervisão custa dinheiro aos bancos e não ao BCE. Cada banco paga todos os anos uma taxa ao banco central que pode ascender a alguns milhões de euros. Este fee tem duas componentes: uma fixa e igual para todas as instituições significativas e outra variável em função do tamanho do banco supervisionado, medido em termos de ativo e exposição ao risco.
Prova dos 9
Marques Mendes deixou o desafio e o ECO foi à procura de respostas. O comentador falou de um elevado grau de intrusão do supervisor europeu dentro dos maiores bancos nacionais que o “grande público” desconhece. E que isso dá garantias às pessoas de que créditos ruinosos e operações mais duvidosas são hoje em dia mais difíceis de acontecer. Mas há mesmo técnicos do BCE a assistir às reuniões dos conselhos de administração onde se tomam as decisões mais importantes sobre a vida dos bancos? E também estão presente nas reuniões dos conselhos alargados de crédito, que se tornaram famosas na comissão de inquérito à CGD e onde se decidem as grandes operações de financiamento?
“Há uma equipa do BCE dedicada ao acompanhamento permanente do Millennium bcp, como em todos os casos de bancos diretamente supervisionados pelo BCE, a qual têm interações de elevada frequência com as Equipas do Banco e com os órgãos de gestão e fiscalização”, confirmou o banco liderado por Miguel Maya ao ECO.
Em fevereiro, Paulo Macedo, presidente da CGD, foi ao Parlamento explicar que muito mudou no banco público também por causa da “regulação sem precedentes e uma supervisão sobre tudo o que se passa na Caixa”. “A CGD foi inspecionada em 2015, 2016, 2017 e 2018 sobre a concessão de crédito, outra sobre os colaterais e outra sobre as concessões às PME. Tudo isto são inspeções que são feitas umas por elementos da Joint Supervisory Team [equipa conjunta de supervisão], outras por um conjunto de auditores contratados fora dos elementos do BCE e do Banco de Portugal”.
Na mesma ocasião, Paulo Macedo deu aos deputados uma visão mais detalhada da forma como trabalham estas equipas conjuntas: “As equipas de supervisão são hoje cerca de 12, 13 pessoas que estão permanentes na Caixa. (…) Ter uma equipa dentro da Caixa, as pessoas estão lá. São equipas mistas entre o Banco de Portugal e o BCE que não têm a ver com outras equipas especializadas do BCE. (…) Os meios que hoje existem do BCE — que somos nós que pagamos e depois posso dizer-vos quanto é que custa a supervisão, são uns milhões de euros que nós pagamos ao BCE por ano — o nível de atuação e o timing dessa atuação é totalmente distinto do que era há uns anos. Faz toda a diferença. Depois, o tipo de supervisão de detalhes. Não há supervisão no sentido de dizer ‘a vossa governance está má, ou o vosso sistema de controlo interno tem de melhorar’. Não. Há relatórios com 15 ou 16 recomendações que se desdobram em subalíneas e que depois é feito um follow up e que só aceita que a recomendação foi ultrapassada quando a auditoria interna, a tal terceira linha de defesa do banco reconhece ou quando eles reconhecem. O controlo do tipo de recomendações não tem nada a ver com o que era a supervisão na banca”.
De facto, estas equipas conjuntas de supervisão fazem parte do dia-a-dia das instituições. Os técnicos acompanham muito de perto tudo o que se passa dentro dos bancos, isto é, vão a todo o lado e têm acesso a toda a informação importante dos bancos. Se vão às reuniões onde se sentam os CEO dos bancos ou onde se decidem os grandes créditos? Sim, também é esse o papel destas equipas, como confirmou ao ECO o BCE.
“O Mecanismo Único de Supervisão pode participar em reuniões como as dos conselhos de administração dos bancos supervisionados. Isto faz sentido e é coerente com a necessidade de analisar vários elementos dos bancos supervisionados, seja o seu capital, liquidez ou governance. O mesmo se aplica aos documentos dos bancos supervisionados”, disse fonte da autoridade europeia ao ECO. E o que disse Marques Mendes está correto.
(Notícia atualizada no dia 25 de julho com declaração de fonte do BCE no último parágrafo)
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