Fábrica 2030: Há muitos desafios para a indústria. E oportunidades?
Abrandamento da economia, concorrência (desleal) e falta de recursos qualificados. São muitos os desafios que a indústria portuguesa enfrenta. Mas também há oportunidades para agarrar.
A indústria portuguesa mudou. Já não é a mesma de há uma década. Soube adaptar-se à mudança dos tempos, soube reinventar-se. Voltou a pulsar, com benefícios visíveis tanto para os empresários que aceitaram a transformação, mas também para o país. Ajudou a aumentar a riqueza nacional, mas também a mudar a imagem do país além-fronteiras.
Muito mudou em vários setores, do têxtil ao vestuário, passando pelo calçado. Mas também do alimentar até à eletrónica e ao automóvel. Mas, como se diz, “parar é morrer”, pelo que apesar do caminho já percorrido, é preciso mais para enfrentar os desafios futuros. E há vários no horizonte. Muitos deles estarão em debate na Conferência Fábrica 2030, organizada em conjunto entre o ECO e a Fundação de Serralves.
Neste evento, decorre esta quinta-feira em Serralves, que contará, no palco, com nomes como Álvaro Santos Pereira, Carlos Moedas, António Mexia, Rui Moreira, Rui Miguel Nabeiro, Carlos Tavares, entre outros, o contexto macroeconómico nacional, mas principalmente o internacional, com a guerra comercial e o Brexit em destaque, centrará atenções.
Além do arrefecimento económico, preocupação partilhada pelo maioria dos empresários contactados pelo ECO, a continuada transformação dos hábitos de consumo também se apresenta como uma desafio, assim como toda a revolução digital que está a acontecer. Isto num contexto em que se torna cada vez mais difícil encontrar mão-de-obra qualificada, alertam os responsáveis por algumas das empresas de topo de cada um dos setores.
Abrandamento é uma realidade. “Vamos todos ser afetados”
Apesar de a economia portuguesa estar a crescer, vai abrandar. O crescimento deste ano já será menor do que o do ano passado, sendo que o Governo acredita numa evolução ligeiramente positiva no próximo ano. Na Zona Euro, o cenário é de abrandamento, bem como na generalidade do mundo, como alertou o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O impacto desse abrandamento já se faz sentir em todos os setores. E vai sentir ainda mais. José Alexandre Oliveira não tem dúvidas de que “estamos a assistir a um arrefecimento da economia a nível mundial. E no próximo ano vamos senti-lo”, diz o presidente do conselho de administração da Riopele, que trabalha há 40 anos na indústria têxtil.
A guerra comercial entre os EUA e a China é uma dificuldade que os industriais não estavam à espera. Vem “assombrar” o crescimento do setor têxtil que, diz, “não será o único a ser afetado”. O impacto do abrandamento “será transversal a todas as indústrias”, diz o neto do fundador da Riopele, que faz parte da terceira geração da empresa que conta com 93 anos de experiência no setor dos têxteis.
Estamos a assistir a um arrefecimento da economia a nível mundial. E no próximo ano vamos senti-lo.
Albano Fernandes, CEO da AMF Shoes, diz que os últimos seis anos foram períodos de crescimento, mas está consciente que este ano vai registar-se um ligeiro decréscimo no que respeita à exportação de calçado. E culpa o arrefecimento da economia global. “Países como a Alemanha e a França estão a reduzir os stocks e nós sentimos esse efeito nos nossos principais clientes“, diz o responsável pela empresa de Guimarães especializada na produção de calçado de segurança que nasceu há 20 anos, em anos de crise.
Concorrência é boa. Mas há concorrência desleal
A economia, ou melhor, o abrandamento da economia é um desafio para as empresas e os empresários nacionais, tendo em conta que a indústria nacional está cada vez mais internacional. Exporta cada vez mais, enfrentando a concorrência de outros players internacionais noutra geografias, mas também dentro de portas. Concorrência não é um problema, dizem os responsáveis das várias indústria. O problema está na concorrência que dizem ser desleal.
“O setor do têxtil e do vestuário esteve para morrer porque um conjuntos de políticos criaram uma imagem negativa” lá fora, lembra César Araújo, fundador da Calvelex e presidente da Associação Nacional das Indústrias do Vestuário e Confeção (Anivec). O setor conseguiu “limpar” essa imagem, permitindo-lhe ganhar relevo no exterior, cumprindo as regras.
Agora, a Europa está a abrir as portas a outros mercados, como o Bangladesh e o Vietname. E o que está a acontecer, diz o responsável da Calvelex, é uma “abertura selvagem, sem regulação”. Há “concorrência desleal”, o que acaba por prejudicar o crescimento no setor do vestuário.
Albano Fernandes, CEO da AMF Shoes, está completamente de acordo com César Araújo. Diz mesmo que a abertura da Europa a esses mercado é “uma concorrência desleal cinco vezes ao quadrado”. Os produtos nacionais são certificados de acordo com as normas europeias, o que não acontece nesses países asiáticos. “Não são aplicadas quaisquer normas e só aí é mais que concorrência desleal. Têm as etiquetas a dizer que o produto está certificado mas não existe um mecanismo europeu de fiscalização. É complicado competir com regras diferentes“, exalta.
E mão-de-obra? É um desafio sério
Contra o abrandamento da economia, mas também a crescente concorrência de mercados pouco regulados, a indústria portuguesa tem respondido com inovação. Mais inovação exige mão-de-obra mais qualificada, o que representa um desafio extra para as empresas nacionais, praticamente de todos os setores.
“Temos uma certa dificuldade para obter profissionais qualificados porque os políticos andaram a dizer que o setor [do vestuário] não tinha futuro, quando, na verdade, temos futuro”, diz o fundador da Calvelex. Houve “muita gente que optou por não enveredar por estas áreas”, levando a escassez de profissionais.
"O ensino superior deve olhar para os recursos que se estão a formar nas universidades e fazer um ajustamento face às necessidades que o mercado tem atualmente.”
Não há profissionais qualificados para a indústria do vestuário e das confeções, mas também é complicado encontrá-los para uma indústria mais tecnológica, como a do automóvel. É difícil recrutar engenheiros em Portugal, principalmente na área de eletrotécnica, diz Miguel Pinto, diretor geral da Continental Advanced Antenna Portugal.
A falta de mão-de-obra qualificada é explicada pela imigração. “Há quatros anos, muitos recursos qualificados imigraram”, diz. “É preciso atrair novamente estes recursos para Portugal”, mas não só. “O ensino superior deve olhar para os recursos que se estão a formar nas universidades e fazer um ajustamento face às necessidades que o mercado tem atualmente”, nota.
Novos paradigmas. Riscos? Sim. Mas também há oportunidades
As dificuldades são imensas, mas os empresários portugueses são resilientes. Provaram no passado que souberam enfrentar contextos de crise, de maior concorrência, mas também conseguiram adaptar-se a mudanças mais radicais naquilo que os consumidores procuram. A mudança de paradigmas tem sido constante nos últimos anos. E vai continuar a ser um desafio, mas muitas empresas, de muitos setores, preferem ver o “copo meio cheio”, procurando identificar oportunidades em que possam continuar a crescer.
“Os sapatos que vendíamos há cinco anos já não se vendem hoje”, diz o CEO da AMF Shoes. “Estamos a assistir a uma mudança de paradigma muito rápida e muito forte”, exigindo uma resposta rápida. “Há uma mudança quer técnica, quer de moda. Há uns anos, o calçado era todo feito em pele, com traços clássicos, hoje o calçado tem que ser confortável e com traços desportivos”, diz Albano Fernandes.
De um “sapato clássico”, o futuro passa por um “sapato confortável com linhas desportivas”. Esse é o futuro, acrescenta, ao ECO, lembrando que as grandes marcas desportivas, como a Nike e a Adidas, também perceberam isso. Deixaram de vender calçado só para o segmento de desporto e começaram a apostar no casual e a conquistar mercados que anteriormente pertenciam a outros players.
A mobilidade vai sofrer uma transformação com o aparecimento de novas soluções e tecnologias que permitirão o surgimento da condução autónoma bem como o aparecimento em escala de serviços de car sharing. É um desafio para as industrias tradicionais, mas simultaneamente uma oportunidade.
Se os consumidores têm novos gostos para o calçado com que andam, também revelam uma mudança profunda na forma como se deslocam do ponto A para o B. “As mudanças de paradigmas na área da mobilidade acontecem a ritmo acelerado”, diz Miguel Santos, diretor de engenharia industrial na Bosch Car Multimedia. E “são um grande desafio para os OEM’s e respetivos fornecedores tradicionais em que a Bosch se enquadra”, nota.
A mobilidade está a sofrer uma transformação com aparecimento de novas soluções e tecnologias que vão permitir o surgimento da condução autónoma bem como o aparecimento em escala de serviços de car sharing. Miguel Santos diz que “é um desafio para as indústrias tradicionais, mas simultaneamente uma oportunidade para aqueles que anteciparem e abraçarem a enorme transformação que se avizinha”.
Miguel Pinto, diretor geral da Continental Advanced Antenna Portugal, também encara a alteração do paradigma da mobilidade como uma oportunidade, defendendo a aposta de Portugal no setor da eletrónica. “Temos que ser rápidos a qualificar os nossos recursos humanos”, procurando “focar-nos cada vez mais na automatização”, que será um elemento-chave na indústria automóvel.
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