Produzir eletricidade pode ser até 25% mais caro por causa das alterações climáticas, dizem cientistas
Investigadoras portuguesas descobriram que gerar energia em 2050 pode ser 25% mais caro ou 15% mais barato. Tudo vai depender das alterações climáticas, mais extremas ou mais moderadas.
As alterações climáticas estão aí e não há como evitá-las, ou mesmo travá-las. As suas consequências fazem-se sentir já no presente e adivinham-se sobretudo para o futuro: em 2050, em termos anuais, poderão levar a uma variação no custo de geração da energia elétrica em Portugal entre cerca de “mais 25% e até menos 15% (dependendo do cenário climático considerado, mais extremo ou mais moderado) face às condições climáticas atuais”.
A conclusão é do caso de estudo português “Como as alterações climáticas vão afetar o setor eletroprodutor português no futuro”, inserido no projeto de âmbito europeu Clim2Power.
“Em termos sazonais, em todos os cenários climáticos futuros há um aumento do custo de geração de eletricidade no inverno compensada por uma diminuição no outono. A capacidade de produção terá de ser mais ágil”, garantiram em entrevista ao ECO/Capital Verde Sofia Simões, investigadora principal em Portugal do Clim2Power, coordenadora da Unidade de Economia de Recursos do LNEG e professora auxiliar convidada na NOVA-FCT em alterações climáticas, e Patrícia Fortes, investigadora do CENSE – Centre for Environmental and Sustainability Research da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa.
O estudo teve a duração de três anos e terminou no dia passado dia 31 de dezembro, estando agora as suas conclusões a ser apresentadas à Comissão Europeia, Agência Internacional de Energia, Agência Europeia do Ambiente, ao Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), tutelado pela Secretaria de Estado da Energia, à Agência Portuguesa do Ambiente, ao Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e à Associação Portuguesa de Energias Renováveis, entre outros membros do User Board nacional.
Fica a faltar ainda o Governo português, mas as investigadoras avisam desde já que “as estratégias vigentes para a neutralidade carbónica até 2050 não consideram a realidade das alterações climáticas”, como o Plano Nacional de Energia e Clima 2030, mas sobretudo o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC2050), apresentado pelo Executivo de António Costa em 2019. Nessa altura, Portugal foi o primeiro país do mundo a anunciar que quer ser neutro em carbono em meados do século.
O que está errado no Roteiro Nacional para a Neutralidade carbónica 2050?
“A transição energética para fontes de energia renovável é vista como uma condição essencial para atingir a neutralidade carbónica até 2050 e para prevenir perturbações climáticas irreversíveis. No entanto, a geração de eletricidade fortemente sustentada por fontes de energia renovável também torna o sistema elétrico muito mais vulnerável às alterações climáticas futuras”, garantem.
Como? Para começar, dizem, as alterações climáticas (temperatura, precipitação, nebulosidade, entre outras) podem impactar toda a cadeia do sistema elétrico, afetando desde logo a disponibilidade dos recursos hídricos, solares e eólicos, a eficiência da transmissão das redes e provocando profundas alterações nos padrões da procura de eletricidade e nas necessidades de aquecimento e arrefecimento.
“A maioria dos modelos utilizados hoje para desenhar cenários de mitigação e de transição energética e suportar as decisões políticas têm como base o passado e continuam a ignorar todos estes efeitos e a sua complexidade”, alertam as investigadoras.
Resultado? Ambas garantem, por exemplo, que no Roteiro Nacional para a Neutralidade Carbónica 2050 o solar e o eólico onshore estejam sobrestimados no futuro (as previsões apontam para mais nuvens a encobrir o sol e até -25% vento em terra em 2050 face a 2011). Pelo contrário, defendem, o eólico offshore está subestimado e será, de todas, a tecnologia mais ganhadora a longo prazo, porque o seu custo vai reduzir drasticamente. O documento não ignora por completo as alterações climáticas, mas teve em conta os seus efeitos apenas na energia hídrica e de forma simplista, explicam.
O estudo avalia então o impacto das alterações climáticas no sistema eletroprodutor português primeiro em 2030 e depois em 2050, tendo em conta 11 modelos e dois cenários climáticos futuros: um mais extremo e outro mais moderado. Na prática, foi criada uma ferramenta dinâmica e atualizável que parte de modelos científicos complexos, a partir dos quais é possível obter informações direcionadas para os utilizadores finais, tais como sejam os decisores políticos e os gestores do sistema elétrico.
Os resultados obtidos foram depois comparados com os resultados do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e mostram que “as alterações climáticas podem influenciar o perfil custo-eficaz da geração de energia elétrica no país”.
As conclusões do caso de estudo português evidenciam que a energia hídrica será sem dúvida a mais afetada, com grandes reduções na produção comparativamente a dados históricos. Já o solar fotovoltaico e o eólico onshore poderão ser afetados tanto positiva como negativamente, dependendo do cenário e modelo em questão. No caso do RNC2050, o documento apresenta uma visão mais otimista tanto para a energia solar como para as eólicas em terra.
Como será o tempo em Portugal em 2050?
De acordo com Sofia Simões, se uma turbina eólica trabalhar 2600 horas por ano, esta é uma boa média hoje em dia. Mas tudo isso pode mudar no futuro. Em meados do século, vai haver mais vento no outono e menos no inverno. Também na chuva os padrões vão mudar, será mais intensa na primavera e mais frequente no outono. Daí a conclusão: “Em termos sazonais, em todos os cenários climáticos futuros há um aumento do custo de geração de eletricidade no inverno compensada por uma diminuição no outono”.
Isto significa que os recursos disponíveis — solar, hídrico, eólico e térmico — “terão de ser geridos de forma mais equilibrada para obter um mix energético ótimo”, dizem as investigadoras, com base em informação científica recolhida e carregada numa ferramenta dinâmica que poderá servir de apoio à toma de decisões de política energética, algo que ainda não acontece agora.
Empresas energéticas como a EDP (entre outras), que está no User Board do caso de estudo português também podem usar a ferramenta para decidir como e quando produzir energia elétrica no futuro.
Já hoje, dizem as investigadoras, “há paridade nos preços de produção solar e eólica face ao gás natural”.
De acordo com os resultado do Clim2Power, para a Península Ibérica (onde se inclui Portugal) atingir a neutralidade carbónica em 2050, tendo em conta as alterações climáticas, precisará entre 164,2 e 205,8 TWh de energia solar, 137,5 e 173,5 TWh de energia eólica e 30,5 e 37,2 TWh de energia hídrica.
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