Das famílias às empresas. Tudo o que muda com este Orçamento do Estado
Um travão aos vistos gold em Lisboa e no Porto, um novo aumento extra das pensões, um reforço das deduções para as famílias com múltiplos filhos. Orçamento traz mudanças para famílias e empresas.
Depois de quatro dias de votações e debate na especialidade, o Orçamento do Estado para este ano foi aprovado. À proposta apresentada pelo Governo em dezembro, somam-se agora as propostas de alteração defendidas pelos partidos que mereceram “luz verde” dos deputados. Resultado? Vêm aí mudanças para as famílias e para as empresas, para os pensionistas e para a Função Pública, para o setor imobiliário e para o investimento.
No capítulo dedicado às famílias, a primeira alteração a ter em conta diz respeito às deduções em sede de IRS para famílias com múltiplos filhos. A medida constava originalmente na proposta orçamental apresentada em dezembro por António Costa, mas foi clarificada com a aprovação de uma proposta de alteração dos socialistas. Assim, o “bónus” que acresce à dedução fixa por dependente (600 euros), a partir do segundo filho, passa dos atuais 126 euros para 300 euros. Esta dedução aplica-se independentemente da idade do primeiro filho, desde que esse segundo dependente não ultrapasse os três anos de idade. De acordo com as contas do Governo, esta medida deverá abranger cerca de 135 mil famílias.
Ainda no que diz respeito aos dependentes, foi aprovada a proposta que estabelece que as crianças com menos de três anos de famílias carenciadas (primeiro escalão) passam a ter acesso gratuito às creches. No final de janeiro, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social já tinha anunciado que o Governo estava disponível para avançar com esta medida, que abrangerá 40 mil crianças. Na especialidade, foram também aprovadas as propostas do PS e do PCP que preveem que, este ano, deve ser regulamentado o complemento creche que comparticipe o custo com creche a partir do segundo filho.
Para as crianças, ficou ainda aprovada a distribuição de manuais novos de forma gratuita no primeiro ciclo do Ensino Básico da rede pública, a partir do próximo ano letivo. E para os alunos mais velhos, as propostas que estabelecem a redução em 20% do valor da propina máxima, de 871 euros para 697 euros, receberam “luz verde”. Esta tinha sido, de resto, uma das medidas fechadas pelo Bloco de Esquerda com o Governo como condição para a bancada de Catarina Martins viabilizar, na generalidade, a proposta orçamental.
E por falar em estudantes, foi também aprovada a isenção de IRS para os rendimentos de trabalho auferidos por estes jovens, até ao limite anual de cinco vezes o Indexante dos Apoios Sociais, isto é, 2.194,05 euros. Para jovens e também em sede de IRS, há também a uma isenção parcial durante os seus três primeiros anos no mercado de trabalho. No primeiro ano, só pagam IRS sobre 70% dos rendimentos; no segundo, sobre 80%; e no terceiro, sobre 90%.
Outra das medidas que poderá deixar mais rendimentos nas carteiras das famílias é o fim das taxas moderadoras nos cuidados primários de saúde. A proposta do Bloco de Esquerda estabelece que, no caso das taxas moderadoras aplicadas às consultas em cuidados primários, a eliminação terá efeito imediato com a entrada em vigor do Orçamento do Estado. Já no caso das taxas exigidas nos exames complementares de diagnóstico e terapêutica que forem prescritos no âmbito dos cuidados primários, a eliminação será feita em duas fases: em setembro, para os serviços realizados no seio do SNS, e a partir de 1 de janeiro de 2021, para os serviços convencionados em entidades externas.
À semelhança da redução da propina máxima, esta também tinha sido uma das propostas fechadas pelos bloquistas como condição para viabilizar o OE na generalidade. Nesse pacote, estava também incluído um novo aumento extraordinário das pensões. Os deputados da Comissão de Orçamento e Finanças acabaram por aprovar as propostas do Bloco de Esquerda e do PCP que determinam que as pensões até 1,5 vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (isto é, 658,2 euros mensais) terão um aumento de dez euros, a partir do mês seguinte à entrada em vigor do Orçamento.
Deste modo, as pensões até 658,2 euros vão beneficiar de um aumento adicional além da subida de 0,7% que já tinha sido registada em janeiro à boleia da inflação e do crescimento económico, perfazendo o total de dez euros. O PSD ainda fez aprovar a proposta comunista que previa que este aumento extra abrangesse também as pensões acima dos 1,5 IAS, mas acabou por mudar o sentido de voto.
No capítulo dedicado aos pensionistas, mudam também as regras de acesso ao Complemento Solidário para Idosos, passando a não serem ponderados os rendimentos dos filhos até ao quarto escalão na condição de recursos do requerente, o que determina o valor da prestação a receber. Mais uma vez, o PSD ainda chegou a viabilizar a proposta do PCP que previa a eliminação total desta ponderação, mas a bancada de Rui Rio acabou por dar um passo atrás, deixando apenas a proposta do PS e do BE aprovadas.
Para as famílias, há ainda a notar que os idosos de baixos rendimentos deixam de perder a isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), quando se mudam para casa dos familiares. Esta foi uma proposta apresentada pelo CDS-PP que, primeiro, foi chumbada, mas depois acabou por receber “luz verde”, tendo o PS mudado o seu sentido de voto de contra para a favor.
No capítulo do IMI, o Parlamento aprovou, além disso, a proposta que determina que os casais em união de facto ou os cônjuges não separados judicialmente passam a poder pagar em prestações este imposto, recebendo assim a nota de cobrança em conjunto.
Este Orçamento do Estado não traz, contudo, apenas boas notícias para as famílias. As propostas de alteração para atualizar os escalões de IRS em linha com a inflação prevista para 2020 (1%) e não com a registada em 2019 (0,3%) foram chumbadas, mantendo-se a vontade do Governo e a perda de poder de compra para os trabalhadores cujos rendimentos subam mais de 0,3%, em 2020.
Será também agravado o imposto aplicado às bebidas açucaradas e ao tabaco aquecido, bem como aos espetáculos tauromáquicos. A subida do IVA das touradas gerou muitas críticas dentro do próprio PS, mas acabou por passar, com os votos favoráveis do PS, do BE e do PAN. Também o imposto do selo passa a pesar mais nas carteiras das famílias, tendo sido agravado no que diz respeito ao crédito ao consumo. Isto só para novos contratos.
E pelo caminho ficou — pelo menos, para já — a redução do IVA da eletricidade para as famílias. As propostas do PSD, do PCP e do BE foram chumbadas, ainda que a bancada de Rui Rio tenha dado várias “cambalhotas” para transformar esse “não” num “sim”, o que acabou por não conseguir. Foi aprovado, então, apenas o ponto que autoriza o Governo a criar “escalões de consumo de eletricidade baseados na estrutura de potência contratada existente no mercado”. Essa medida está, no entanto, ainda a aguardar “luz verde” de Bruxelas.
Atenção, trabalhadores independentes
Os trabalhadores independentes que falharam a entrega das declarações trimestrais de rendimentos à Segurança Social em 2019 não vão ser alvo de coimas. Este “bónus” já tinha sido avançado, no verão do ano passado, ao ECO pela então secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim, e foi agora transformada em lei neste Orçamento do Estado para 2020.
Os trabalhadores independentes passam, além disso, a ter como teto para a isenção de IVA não dez mil euros, mas 12.500 euros anuais. Da autoria do PAN, esta proposta diz respeito aos contribuintes que não têm contabilidade organizada para efeitos de IRS e IRC.
Do privado para o público, o Orçamento do Estado incluiu duas grandes medidas para os funcionários do Estado: o regresso à normalidade no pagamento dos acréscimos remuneratórios resultantes da progressão na carreira e um programa estratégico plurianual, no âmbito do qual se irá trabalhar os critérios de acesso ao tão polémico regime da pré-reforma.
Num capítulo bem distante, o PS viu aprovada a sua proposta que põe termo ao “eldorado fiscal” dos pensionistas estrangeiros. Os residentes não habituais perdem a dupla isenção fiscal, passando a ser alvo de uma taxa de IRS de 10% em Portugal. Isto para os reformados que cheguem agora a terras lusitanas. Os demais mantêm a isenção em causa.
E o que traz o Orçamento para as empresas?
Duas das principais reivindicações levadas pelos patrões à Concertação Social para dar o seu “sim” ao acordo sobre competitividade e rendimentos foram incluídas neste Orçamento do Estado. Em causa está o aumento do teto de lucros reinvestidos que podem ser deduzidos em sede de IRC, de 10 para 12 milhões, bem como o alargamento do limite de lucro tributável (de 15 para 25 mil euros) que permite às pequenas e médias empresas terem acesso à taxa reduzida de IRC de 17%.
No Orçamento do Estado para este ano, consta ainda uma autorização legislativa para criar novos benefícios fiscais para incentivar as exportações das empresas nacionais. Esta medida também está, contudo, à espera do “sim” de Bruxelas, pelo que não terá efeitos imediatos.
Numa nota menos positiva, as empresas do setor das celulosas vão passar a pagar uma taxa para a conservação dos recursos florestais. O PS decidiu apoiar a proposta bloquista, que acabou por ser aprovada. No horizonte, está, portanto, uma taxa de “base anual” que irá incidir sobre o volume de negócios dos sujeitos passivos de IRS e IRC que “exerçam, a título principal, atividades económicas que utilizem, incorporem ou transformem, de forma intensiva, recursos florestais”.
Além disso, o Governo prometeu no OE 2020 que o peso do investimento do Produto Interno Bruto (PIB) irá subir para 2,3%, repetindo a promessa — que deixou por cumprir — feita em 2019. Nesse bolo, estão 15 milhões para reforçar os transportes públicos, setor que mereceu duras críticas ao Governo durante a legislatura anterior.
A propósito, foram aprovadas as propostas do PCP e BE para aumentar as verbas disponíveis para passes sociais. Além disso, o alargamento dos passes com desconto a estudantes do ensino profissional recebeu “luz verde” dos deputados e irá ser posto em prática
Imobiliário também sofre mudanças
O Governo propôs revogar a isenção do pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) de que beneficiam, atualmente, os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios de interesse público, mas o Parlamento disse “não”. A proposta foi chumbada com os votos desfavoráveis do PSD, CDS-PP, Iniciativa Liberal, Chega, Bloco de Esquerda e PCP.
Por outro lado, há mudanças a manter debaixo de olhos no imóveis de mais de um milhão de euros, que passam a pagar uma taxa de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) mais pesado: de 6% para 7,5%.
E no capítulo dedicado ao alojamento local, há duas alterações relevantes. Os rendimentos obtidos através de alojamentos locais em zonas de contenção passam a ser taxados sobre uma parcela de 50%, face aos anteriores 35%. Por outro lado, há um alívio do IRS na transferência de imóveis de alojamento local para arrendamento acessível, pondo fim às mais-valias atualmente implicadas neste processo.
O Orçamento do Estado para 2020 inclui, além disso, um travão à concessão de vistos gold aos investimentos imobiliários em Lisboa e no Porto. Contudo, a proposta não prejudica a possibilidade de renovação das autorizações de residência concedidas ao abrigo do regime atualmente em vigor, nem a possibilidade de concessão ou renovação de autorizações de residência para reagrupamento familiar previstas na lei, quando a autorização de residência para investimento tenha sido concedida ao abrigo do regime atual.
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