Maior empresa do país muda a liderança, mas a perspetiva é de continuidade. Seis meses após ter chegado a CEO interino, o veterano na elétrica Miguel Stilwell d'Andrade irá passar oficialmente a CEO.
É o início de uma nova era na EDP. Não é bem o início — dado que Miguel Stilwell d’Andrade já era o CEO interino da elétrica –, mas será oficializada a mudança de liderança, quando os acionistas confirmarem os novos órgãos sociais na assembleia geral extraordinária que acontece esta terça-feira. De CFO a CEO interino e, agora, a CEO efetivo, o gestor terá pela frente os desafios de continuar a implementar o plano estratégico da empresa e transformar a EDP numa empresa (ainda mais) dedicada às renováveis, enquanto mantém uma remuneração atrativa para os acionistas.
Os acionistas da EDP reúnem-se (digitalmente) esta terça-feira em assembleia-geral extraordinária para eleger o Conselho de Administração Executivo (CAE) para o período entre 2021 e 2023. Segundo a proposta apresentada pelo acionista maioritário China Three Gorges (CTG), Oppidum Capital, Senfora, Sonatrach e o Fundo de Pensões do BCP, o novo CAE será liderado por Miguel Stilwell d’Andrade e contará também com Miguel Setas, Rui Teixeira, Vera Pinto Pereira e Ana Paula Marques.
O órgão passará no novo mandato a ter um formato mais reduzido (passa de nove para cinco elementos), mas a principal diferença é no CEO. Após 14 anos — durante os quais se tornou o gestor mais bem pago do país e foi responsável pela transformação da elétrica numa das maiores empresas de energia renovável do mundo, mas também gerou uma cisão entre a empresa e o Estado –, António Mexia deixa definitivamente a EDP.
"Há decisões difíceis na vida e esta é, seguramente, a mais difícil da minha vida profissional, acima de tudo por resultar de um contexto de incompreensível injustiça.”
No seguimento do processo judicial das rendas excessivas, o juiz Carlos Alexandre determinou em julho que os dois arguidos António Mexia e João Manso Neto (ex-CEO da EDP Renováveis) fossem suspensos de funções. A 30 de novembro, Mexia comunicava a sua “indisponibilidade” para integrar os novos órgãos sociais da companhia para um novo mandato, que seria o sexto à frente da empresa. Fê-lo numa carta em que dizia : “Há decisões difíceis na vida e esta é, seguramente, a mais difícil da minha vida profissional, acima de tudo por resultar de um contexto de incompreensível injustiça“.
Não provou inocência em funções, mas Mexia deixa legado positivo
Não conseguiu fazê-lo ainda em funções, mas o gestor assegura que vai continuar a defender a sua inocência e a da EDP, que é também arguida na mesma investigação. Apesar da saída ser envolta em polémica, o percurso parece pesar mais, especialmente o mais recente. “Mexia deixa um legado positivo, particularmente no seguimento da implementação do plano estratégico desde 2019, que levou a uma significativa desalavancagem, a um impulso no crescimento das renováveis e à criação de valor para os acionistas através da rotação de ativos”, diz Stefano Bezzato, analista de ações especializado em utilities europeias do Credit Suisse, ao ECO.
Em março de 2019 — com a empresa a ser alvo de uma OPA pelo principal acionista CTG –, Mexia chamava os acionistas a Londres para lhes apresentar um plano ambicioso, no qual pretendia vender ativos para reduzir a dívida em dois mil milhões de euros para 11,5 mil milhões em 2022, bem como alocar sete mil milhões a investimentos em renováveis. A rentabilidade desse negócio iria permitir distribuir três mil milhões de euros em dividendos até 2022.
No fim desse ano, fechava o primeiro grande negócio com a venda de seis barragens no Douro por 2,2 mil milhões de euros a um consórcio pela Engie. O comprador é a mesma empresa francesa com quem a EDP tinha, também no âmbito do objetivo de reforçar a presença nas renováveis, feito uma joint-venture para a energia eólica offshore, com o objetivo de criar um líder mundial no mercado de energias renováveis e entrar em mercados asiáticos como o Japão ou a Coreia do Sul.
"Considero que o legado é positivo dado que Mexia ultrapassou vários desafios como a crise da dívida soberana e decisões regulatórias adversas do Governo português. Ao contrário de muitos dos pares, conseguiu manter a política de dividendos nestes tempos difíceis.”
“Considero que o legado é positivo dado que Mexia ultrapassou vários desafios como a crise da dívida soberana e decisões regulatórias adversas do Governo português. Ao contrário de muitos dos pares, conseguiu manter a política de dividendos nestes tempos difíceis“, aponta Tancrède Fulop, analista de ações de utilities da Morningstar, sobre os conflitos entre EDP e Estado.
É o caso da Contribuição Extraordinária do Setor Energético (CESE), que a empresa considera ser uma das grandes causas para ter tido prejuízos em Portugal. Mas também da alegada sobrecompensação quanto ao cálculo do coeficiente de disponibilidade verificado nas centrais que operavam em regime de Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) levou a EDP a processar o Estado português.
“Em última análise conseguiu diminuir o endividamento da empresa ao vender ativos a um bom preço. Graças à EDP Renováveis, a EDP foi um dos primeiros a mover-se face à transição energética“, diz Fulop. Aponta, no entanto, o que ficou por fazer: “Mexia falhou em conseguir comprar as posições minoritárias da EDP Renováveis em 2017“. A casa-mãe detém 82,6% da eólica, após ter falhado uma oferta pública de aquisição há quatro anos.
"A empresa está bem preparada em termos de continuidade da atividade. Acreditamos e estamos empenhados nesta estratégia. Temos todas as condições de continuar a trabalhar. Vejo um grande futuro à nossa frente.”
Há 20 anos na EDP, Stilwell assume liderança
Stilwell foi o nome escolhido quando Mexia foi afastado judicialmente. Há duas décadas na empresa, era um veterano e o então CFO. Nascido a 6 de agosto de 1976, formou-se em engenharia mecânica na escocesa University of Strathclyde e detém um MBA no norte-americano MIT. Começou a carreira no banco de investimento UBS, em Londres, onde trabalhou na área de fusões e aquisições (M&A). Foi exatamente para essa área que chegou à EDP, em 2000.
Após nove anos com este pelouro, assumiu funções de administrador não executivo da EDP Gás Distribuição, antes de se tornar CEO da EDP Comercial em 2012. No mesmo ano, entrou para o conselho de administração do grupo. Mais tarde, viria igualmente a ser CEO da EDP Espanha. Foi em abril de 2018 que Miguel Stilwell d’ Andrade assumiu os comandos das finanças da elétrica. Também ele, ao lado de Mexia, teve de lidar com a (falhada) OPA da CTG, à qual se seguiu o plano estratégico de reconversão do negócio.
Foi, por isso, visto desde a primeira hora como sinal de continuidade. E o próprio o garantiu após o anúncio, numa conference call com analistas. “A empresa está bem preparada em termos de continuidade da atividade. Acreditamos e estamos empenhados nesta estratégia. Temos todas as condições de continuar a trabalhar“, disse. “Vejo um grande futuro à nossa frente”.
"Ao longo do segundo semestre de 2020, Stilwell conduziu a implementação do plano estratégico, fechando a venda do ativos hídricos, de negócios em Espanha, a rotação de ativos e adicionando ainda a aquisição da Viesgo, o que foi bem recebido pelos investidores. Por isso, não vemos o evento desta terça-feira como um catalisador de uma mudança significativa na estratégia.”
O otimismo do gestor foi partilhado pelos analistas, especialmente quando — poucos dias depois — Stilwell anunciou que iria duplicar a presença em Espanha através da aquisição do negócio da eólica espanhola Viesgo e que, para isso, iria aumentar o capital em mil milhões de euros. A operação viria a ser fechada com sucesso em agosto.
“Ao longo do segundo semestre de 2020, Stilwell conduziu a implementação do plano estratégico, fechando a venda dos ativos hídricos, de negócios em Espanha, a rotação de ativos e adicionando ainda a aquisição da Viesgo, o que foi bem recebido pelos investidores”, diz Bezzato. “Por isso, não vemos o evento desta terça-feira como um catalisador de uma mudança significativa na estratégia”.
Foi também Stilwell que acabou por navegar grande parte do período da pandemia — garantindo que o objetivo é manter a remuneração acionista, apesar do coronavírus — e os investidores premiaram-no com fortes valorizações em bolsa. Após terem sido as grandes estrelas da bolsa de Lisboa em 2020, a EDP e (especialmente) a EDP Renováveis têm mantido o forte impulso, renovando constantemente máximos.
Desempenho da EDP e EDP Renováveis na bolsa de Lisboa
Fonte: Reuters
O tom positivo em que se inicia o novo mandato não é, no entanto, livre de riscos. Pelo contrário. “Continuar a expandir a base de ativos renováveis e manter o compromisso de crescimento, num ambiente cada vez mais competitivo, enfrentando longos processos de autorização e possivelmente inflação de custos” são os desafios identificados pelo analista do Credit Suisse. Acrescenta a criação de um “ambiente mais construtivo e positivo” a nível doméstico, elogiando a recente decisão de retirar um dos processos contra o Estado que estava em curso.
Da mesma forma, o analista da Morningstar acredita que Stilwell será sinónimo de continuidade e partilha da visão sobre a concorrência e os processos judiciais, mas acrescenta outro desafio, relacionado com o mercado brasileiro: “O aumento da concorrência e declínio dos retornos nas renováveis, incertezas no Brasil e a relação com o Governo português”, responde sobre os riscos para a liderança de Stilwell.
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EDP muda de líder. Stilwell segue pisadas de Mexia na transformação da EDP
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