A banca pode estragar a festa da saída do PDE?

  • Margarida Peixoto
  • 19 Janeiro 2017

Costa e Centeno já têm a festa pronta: o Governo quer celebrar já no final de março a saída do Procedimento por Défices Excessivos. Mas os confetti podem ser precipitados.

Na agenda de António Costa e de Mário Centeno, há um dia que já está assinalado: sexta-feira, 24 de março. O primeiro-ministro e o ministro das Finanças têm uma festa agendada — é a festa da saída do Procedimento por Défices Excessivos (PDE). Mas há, pelo menos, dois fantasmas que ameaçam estragar o momento e deixar o Governo a dançar sozinho: a Caixa Geral de Depósitos e o Novo Banco.

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Costa e Centeno estão ansiosos. Esta terça-feira, no debate quinzenal, o primeiro-ministro anunciou que o défice de 2016 “não será superior a 2,3%” do PIB. É um número que fica abaixo até da atual meta do Executivo (2,4%) e que não coloca de parte o primeiro objetivo que tinha sido delineado pelo ministro das Finanças, em fevereiro (2,2%).

“Durante meses a fio, perguntaram por um plano B e aguardaram pelo Diabo”, disse Costa. “Insistiram que não havia alternativa às medidas do anterior Governo”, frisou.

Mas o primeiro-ministro nem foi o primeiro a anunciar os bons resultados da execução orçamental. Centeno já tinha revelado a confiança do Executivo, duas semanas antes. “Esta é a notícia que todos os ministros das Finanças gostariam de dar e essa [é] a notícia que vamos ter durante este primeiro trimestre”, já tinha dito Mário Centeno, em entrevista conjunta à TSF e ao DN, referindo-se à saída do PDE. E repetiu a mensagem na entrevista que deu, na semana passada, à Reuters: “O país vai sair do PDE, são assim as mensagens que temos para apresentar.”

A ansiedade do Governo é tal que, na verdade, Centeno está a antecipar a festa. O ministro das Finanças deverá estar a pensar no dia em que o Instituto Nacional de Estatística (INE) faz o reporte das contas de 2016 ao Eurostat, no âmbito do Procedimento por Défices Excessivos: 24 de março. Em vez de esperar pela decisão oficial, que habitualmente é tomada em maio, quando já há informação sobre o andamento das contas de 2017 e a Comissão já fechou as suas previsões de primavera. Para sair do PDE é preciso mais do que cortar o défice para menos de 3%, mas já lá vamos.

Nessa sexta-feira, 24 de março, será a primeira vez que o organismo de estatísticas se pronuncia sobre o défice de 2016 e Centeno está a apostar forte. Na mesma entrevista à Reuters, o ministro deixou escapar que tem a expectativa de cumprir não só a meta que foi definida “ao longo do ano”, como os objetivos propostos “no Orçamento do Estado em fevereiro”. Por outras palavras, isto é o mesmo que dizer que o ministro acredita que o défice pode ficar em 2,2%, embora, quando foi convidado a concretizar a sua previsão, tenha optado por repetir apenas que pode ficar “com uma probabilidade muito elevada abaixo de 2,4%.”

O que é preciso levar para a festa?

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Para fazer a festa da saída do PDE, Bruxelas exige que os Estados-membros levem dois elementos-chave:

  1. Défice abaixo de 3%. Este critério parece estar cumprido, a julgar pela confiança com que os membros do Governo falam sobre as contas do ano passado. Os dados do INE também apontam nesse sentido: o défice registado de janeiro a setembro, em contas nacionais, foi de 2,5%.
  2. Sustentabilidade da consolidação. O outro critério exigido pela Comissão é que a redução do défice seja duradoura. Isto avalia-se quer pela qualidade do corte efetuado em 2016, quer pelas projeções para as contas de 2017. Por isso é que estas decisões são, habitualmente, tomadas em maio — nesse mês já há dados da execução orçamental do primeiro trimestre e a Comissão já publicou as suas previsões de primavera.

Por enquanto, Centeno parece ter os dois elementos. Nas previsões de outono, divulgadas em novembro, a Comissão anteviu um défice de 2,2% para este ano e de 2,4% para 2018. Mas não considerou aqui eventuais impacto da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, nem da venda do Novo Banco.

Como é que o Novo Banco pode estragar tudo?

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A venda do Novo Banco é como um convidado indesejado: há uma forte probabilidade de prejudicar as comemorações, seja qual for a roupagem que lhe for encontrada. Em 2015, a resolução do Banco Espírito Santo e a sua divisão em banco bom (Novo Banco) e banco mau (BES) já teve impacto nas contas. Nesse ano, foi decidido inscrever um impacto de 4,9 mil milhões de euros no défice de 2014, o que atirou o número obtido por Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque — que eram, respetivamente, primeiro-ministro e ministra das Finanças — para 7,2% do PIB.

Mas os estragos podem não ter ficado por aqui. Passados três anos desde a medida de resolução decidida pelo Banco de Portugal, ainda não foi possível encontrar um comprador para o banco. O novo prazo é agosto deste ano e, como em qualquer negócio, dizer aos potenciais interessados que se está com pressa para vender não é um bom princípio de conversa para conseguir uma boa venda.

Têm sido, por isso, debatidas pelo menos três hipóteses teóricas: vender, nacionalizar ou liquidar o banco. Destas, a liquidação está “basicamente fora de causa”, garantiu já Mário Centeno. Mas entre a venda e a nacionalização, o caminho para evitar custos para os contribuintes — como está prometido pelo Executivo — é estreito.

Impactos potenciais da venda

Antecipar impactos no défice, no âmbito do Procedimento por Défices Excessivos, de operações por realizar é sempre um exercício arriscado. As regras estão definidas no Manual do Défice e da Dívida das Administrações Públicas, mas não são fáceis de interpretar. Há muitos casos de exceção e o próprio INE (tal como o Eurostat) só se pronuncia sobre operações já concretizadas, porque um pequeno detalhe pode mudar o modo de registo.

Mas é possível antecipar os casos mais simples. Se o Novo Banco for vendido por um valor positivo — isto é, o Fundo de Resolução recebe dinheiro pelas ações da instituição — sem que seja exigido pelo comprador quaisquer garantias públicas, não deverá haver impactos no défice.

Seria legítimo perguntar: mas e se o valor da venda for mais baixo do que os 4,9 mil milhões de euros que o Fundo de Resolução pagou pela instituição, há apenas três anos? Em princípio, o impacto no défice continua a ser nulo: a diferença é considerada uma variação do valor do ativo, que afeta a conta do património financeiro do Fundo, o balanço, mas não é considerada uma despesa com impacto no défice.

Contudo, basta que o comprador exija garantias para que o caso possa mudar de figura. Nesta hipótese, o INE deverá decidir se regista no défice o valor das garantias prestadas, na sequência de uma análise à probabilidade de estas virem a ser acionadas. Se considerar que a probabilidade é forte, deve registá-las já no défice. Se tiver dúvidas, manda a regra da prudência que as registe na mesma. Se for uma probabilidade mais remota, os impactos podem ser registados apenas se, e quando, as garantias forem acionadas.

Impactos potenciais da nacionalização

Aqui os contribuintes ficam numa situação de maior incerteza. Tomando a oferta da Lone Star como referência, neste momento o Novo Banco vale 750 milhões de euros, mas precisa de outros 750 milhões de euros de aumento de capital e tem ativos de risco no valor de 2,5 mil milhões de euros.

Se se tratasse de uma simples compra de ações de uma empresa rentável, com recurso a depósitos do Estado, esta seria uma operação financeira, sem impacto no défice orçamental, explica um especialista em finanças públicas, ao ECO. Mas o problema é que esta é uma instituição financeira com prejuízos e com necessidades extra de capital para continuar a funcionar.

Vamos por partes. Primeiro: se o banco passar a ter como acionista o Estado, é de esperar que o Estado tenha de pagar um preço por ele ao Fundo de Resolução. Mas como o Fundo já está dentro da esfera pública, este efeito será, à partida, nulo.

Segundo: se o banco passa para o Estado, então é o acionista público que tem de fazer o aumento de capital. E este valor já deverá ter impacto no défice porque, por regra, os aumentos de capital em empresas com prejuízos são consideradas transferências de capital. Os 750 milhões de euros representam um acréscimo de 0,4 pontos percentuais no rácio.

Depois, no futuro, sempre que seja necessário aumentar novamente o capital do banco, esse valor deverá ser inscrito no défice. Tanto os prejuízos, como os lucros, que o banco for registando vão, da mesma forma, impactar as contas públicas.

Terceiro: é o Estado quem assume o risco dos ativos problemáticos. Ou seja, se se verificar que os cerca de nove mil milhões de euros do side bank só valem, afinal, 7,5 mil milhões de euros, esta perda é assumida pelo setor público, progressivamente, à medida que se verificar. É o que tem vindo a acontecer com os ativos que eram do BPN, mas que ficaram nas sociedades veículo criadas pelo Estado.

E o que muda se a nacionalização for só temporária?

Esta hipótese não está clarificada nos manuais do Eurostat. Mas poderia fazer toda a diferença se não fosse preciso fazer uma recapitalização e se a instituição voltasse a ser privatizada no período de um ano. Seria uma situação semelhante ao que teria acontecido caso o Fundo de Resolução tivesse conseguido vender o Novo Banco no período de um ano. O impacto dos 4,9 mil milhões de euros só veio a ser registado mais tarde, quando se confirmou que essa venda não aconteceria a tempo.

Contudo, este precedente também pode levar o Eurostat a considerar que não será credível reprivatizar o banco em apenas um ano e que, por isso, de acordo com a regra da prudência, ele deve ser considerado para efeitos de défice.

Feitas as contas…

Feitas as contas o Novo Banco arrisca-se a pesar entre 0,4 pontos percentuais no défice — caso seja nacionalizado e a recapitalização fique a cargo do Estado — e 1,3 pontos, no cenário em que é vendido a privados, mas com uma garantia pública que o INE considera ser de forte probabilidade de vir a ser acionada.

Mas também pode não voltar a ter qualquer impacto, caso o Fundo de Resolução o consiga vender, sem que sejam prestadas quaisquer garantias públicas sobre os seus ativos. O problema desta hipótese é mesmo encontrar quem queira comprar nestas condições.

A CGD também pode estragar a festa?

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Sim, pode. O que a Comissão Europeia disse até agora, é que a recapitalização do banco público será considerada uma operação com características de mercado, ou seja, que não coloca em causa as regras da concorrência.

Esta avaliação implica também que se o plano de recapitalização for concretizado como previsto, a injeção de capitais públicos, que pode ir até ao limite de 2,7 mil milhões de euros, será entendida como investimento. Este é um bom ponto de partida para argumentar junto do INE e do Eurostat que a recapitalização não deve ser registada no défice orçamental. Contudo, isso não quer dizer que, por causa dela, não aconteçam outros impactos.

A jurisprudência da aplicação do Manual do Défice e da Dívida das Administrações Públicas dá conta de casos em que a injeção de capital em causa não foi registada no défice, mas os prejuízos verificados pela instituição desde a última operação de recapitalização, até ao momento da operação atual foram.

Teodora Cardoso, presidente do Conselho de Finanças Públicas, alertou precisamente para este risco na sua audição no Parlamento, a propósito do parecer sobre o Orçamento do Estado para 2017.

No caso da CGD, isso implica registar prejuízos desde 2012. As contas fechadas até 2015 apontam para cerca de 1,1 mil milhões de euros, mas até setembro de 2016 já se registaram mais 189,3 milhões de euros. Tudo somado, são perto de 1,3 mil milhões de euros que estão em causa, o equivalente a 0,7 pontos percentuais a somar no rácio do défice de 2017.

Tal como o ECO já noticiou, o Governo está em conversações com o INE e o Eurostat sobre a forma como a operação deverá ser registada e este será um dos assuntos a abordar na visita dos peritos da Comissão Europeia a Portugal, prevista para o final deste mês. Mas enquanto a injeção de capital não se concretizar, nem o INE, nem o Eurostat farão uma leitura definitiva do assunto.

E se os dois convidados indesejados aparecerem?

Vamos a contas. O Governo comprometeu-se perante Bruxelas e o Parlamento nacional com um défice orçamental de 1,6% do PIB. Mas mesmo depois da troca de correspondência, entre o ministro das Finanças e a Comissão Europeia, sobre os planos orçamentais de Mário Centeno, é preciso ter em conta que os peritos de Bruxelas continuam a prever que o défice fique este ano em 2,2% do PIB.

Por isso há logo no ponto de partida um grau de incerteza grande. A missão de peritos da Comissão que vem a Lisboa no final deste mês, tem por objetivo a recolha de elementos para previsões sobre a economia e as contas portuguesas. Por isso, a avaliação que se fizer nessa altura poderá ser determinante.

Assumindo que Bruxelas mantém a sua previsão inalterada, os dois efeitos conjugados da recapitalização da CGD com a venda do Novo Banco podem estragar a festa da saída do PDE. Assumindo um impacto de 0,7 pontos percentuais da parte da CGD, o défice aproxima-se perigosamente dos 3% outra vez, o que pode levar a Comissão a adiar a saída.

Se o Novo Banco também tiver impacto, então o risco aumenta. O registo, por exemplo, do aumento de capital no Novo Banco (na hipótese de nacionalização) somaria mais 0,4 pontos, o que no final daria uma previsão de défice de 3,3%, acima do limite e o suficiente para adiar a saída do PDE.

Contudo, há um caminho pelo qual a festa de Centeno ainda pode passar: se o défice de 2016 ficar, como o primeiro-ministro garantiu, abaixo da meta de 2,4%, é possível que a Comissão acredite na projeção do Executivo para 2017 e reveja a sua própria estimativa em baixa. Se assim for, as contas ganham alguma folga para acomodar os impactos da banca. Se, mesmo considerando impactos do Novo Banco e da CGD for previsível que o défice fique abaixo de 3%, não há motivos para manter Portugal no Procedimento por Défices Excessivos.

Seja como for, se Centeno quer lançar confettis sem correr o risco de se precipitar, é melhor esperar por maio.

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