Porque é que há menos mulheres nos negócios? Fomos ouvi-las
Universo das startups está de braços abertos à inovação, mas será que ainda tem preconceitos do passado? Empreendedoras e investidoras explicam ao ECO a fraca representação feminina neste campo.
No início, eram três. Duas mulheres e um homem, todos investigadores na Universidade do Porto e contaminados pela ideia de que os seus projetos deveriam ver a luz do dia. Juntos fizeram a Movvo e assim começou a aventura de Suzy Vasconcelos, Diana Almeida e Roberto Ugo no mundo do empreendedorismo… mas nem tudo nesse universo de pequenas e grandes revoluções, futuros e disrupções são rosas.
“Íamos os três a uma reunião e depois quem era contactado era o homem”, começa por contar Suzy Vasconcelos ao ECO. A cofundadora da startup — que se foca na utilização de sensores para entender, prever e influenciar o comportamento dos consumidores — realça, por isso, que ainda se sente o estigma de ser mulher. “As pessoas eram respeitadas, mas a palavra final, se fosse dada pelo homem, os clientes sentiam-se mais tranquilos”, explica.
Depois de sair da pequena empresa portuense que ajudou a fundar, Suzy associou-se ao programa de aceleração e mentoria TechStars, acabando, deste modo, por confirmar as suas suspeitas: “ainda não há muitas mulheres a arriscar”. A empreendedora argumenta que esse problema, que afeta sobretudo o ramo tecnológico, fica a dever-se à sobrevivência da ideia de que os computadores são para os homens.
Mais a sul no mapa, Cristina Fonseca partilha da mesma perspetiva. A cofundadora da Talkdesk — uma startup que oferece um software inovador baseado nos serviços da cloud aos call centers — explica ao ECO como esse estigma a perseguiu dos bancos da faculdade às cadeiras das salas de reunião.
Houve clientes que duvidaram das minhas capacidades técnicas, por não associarem certos tipos de competências a uma mulher.
“[Alguns] professores esperavam menos de mim do que dos meus colegas rapazes, certamente porque estudar engenharia de telecomunicações e informática ainda é visto como uma profissão maioritariamente masculina”, defende Cristina Fonseca. A empreendedora acrescenta: “Noutros casos, houve clientes que duvidaram das minhas capacidades técnicas, por não associarem certos tipos de competências a uma mulher”.
Melhor perspetiva deste mundo tecnológico tem Joana Rafael. “Os desafios são inúmeros, mas com trabalho e gestão do tempo tudo é possível”, enfatiza, em declarações ao ECO, a cofundadora da Sensei — uma startup que desenvolve um sistema de reconhecimento de vídeo baseado em Inteligência Artificial dirigido à indústria do retalho. Joana Rafael faz ainda questão de notar que as características que definem um empreendedor — “visão de negócio com capacidade de risco, resiliência e capacidade de assumir responsabilidade” — não têm género.
Longe dos bits e píxeis, o fosso em causa parece continuar a esbater-se. Beatriz Cardoso, por exemplo, diz que nunca se sentiu discriminada. A fundadora da Talanti — um serviço de presentes artísticos personalizados — lembra, em conversa com o ECO, que o empreendedorismo entrou na sua vida porque não se sentia realizada no ambiente corporativo e, a partir desse momento, o que há a relatar é apenas uma história de amor. “Não sinto esse bloqueio por ser mulher”, reforça.
Maternidade, um obstáculo?
O preconceito de género é ainda um obstáculo ao empreendedorismo feminino? Um estudo promovido pela Mastercard concluiu que esse é exatamente o principal entrave, neste campo, e coloca Portugal em sexto lugar no índice de mercados mundiais com melhores oportunidades para mulheres. À frente do ecossistema nacional ficam o de Singapura, EUA, Canadá, Suécia e Nova Zelândia.
Estes são os dez mercados mundiais com melhores oportunidades para mulheres
Portanto, até há boas razões para Beatriz dizer que nunca sentiu na pele esse estigma de ser mulher, embora também esta empreendedora saiba apontar com rapidez a razão pela qual ainda há tão poucas mulheres a empreender: a maternidade. “Eu ainda não sou mãe mas, se fosse, se calhar, seria difícil coordenar o projeto com a maternidade“, explica.
Já Joana Rafael prefere inspirar-se no exemplo da sua própria mãe, que lhe mostrou que “com trabalho e resiliência é possível conciliar com sucesso uma vida empresarial com uma vida familiar”.
A maior parte das startups contrata mais depressa homens do que mulheres. As mulheres engravidam e isso à partida é logo um ‘não’ para a maior parte das empresas.
No entanto, segundo Suzy Vasconcelos, a mera possibilidade de virem a ser mães coloca as mulheres em desvantagem à partida, o que acaba também por explicar o fosso salarial entre géneros. “A maior parte das startups contrata mais depressa homens do que mulheres. As mulheres engravidam e isso à partida é logo um ‘não’ para a maior parte das empresas”, assinala a empreendedora.
Outro dos problemas que levam a essa diferença remuneratória entre homens e mulheres, no mundo do empreendedorismo, é “a baixa autoconfiança”. “Vi isso acontecer pela própria expectativa que as mulheres têm em relação ao que devem receber”, defende Cristina Fonseca.
De acordo com os dados da Eurostat, na União Europeia as mulheres receberam salários 16% inferiores aos dos homens, em 2016. Em Portugal, a diferença atingiu mesmo os 17,5%, representando o maior agravamento deste fosso em todo o bloco europeu.
Os anjos não têm género?
Na dança que é o empreendedorismo, há dois parceiros a participar e em ambos os lados –– o dos empreendedores e o de quem investe nos projetos — a representação feminina ainda é fraca.
O telefone toca cinco vezes. À sexta, Maria João Souto agarra no dispositivo para informar que está de viagem e não tem disponibilidade para falar sobre o seu papel como investidora na Veniam — startup que constrói soluções de Wi-Fi para grandes frotas. Antes de desligar, a business angel revela, contudo, que não consegue apontar nomes femininos com quem o ECO possa falar. “Homens, sim. Mulheres, não”, atira.
Não deixa de ser verdade que existe uma menor apetência das mulheres para correr riscos e, talvez por isso, estão menos representadas no ecossistema.
“Valorizava muito o setor uma maior participação de mulheres, como investidoras e promotoras”, defende, por isso, Lurdes Gramaxo, em declarações ao ECO. A sócia da Busy Angels — sociedade de capital de risco vocacionada para investimento nas fases de pre-seed e seed — sublinha, no entanto, que essa raridade não está ligada ao preconceito, mas à “menor apetência das mulheres para correr riscos”.
“Fundamental é que sejam equipas complementares e comprometidas com o projeto. A diversidade de género é mesmo valorizada como fator de sucesso”, sublinha Gramaxo. A investidora enfatiza que os fatores determinantes para esta área de negócio são a experiência pessoal e profissional, bem como o knowhow do profissional, não o seu género.
Já Rita Sousa, managing director na Naves (uma sociedade de capital de risco), justifica, em conversa com o ECO, a fraca representação feminina na área com a “menor disponibilidade das mulheres” para os projetos deste género, uma vez que empreender e investir são trabalhos que exigem um “empenho total tanto a nível pessoal como profissional”. “Esta disponibilidade ainda é menor para as mulheres pelas várias funções que têm de tomar na sociedade. Continuo a achar que, na sociedade portuguesa, a mulher assume uma grande relevância na vida familiar”, reforça.
A investidora revela que nunca sentiu qualquer estigma por ser mulher, mas esclarece que o investimento “ainda é uma área muito levada pelo lado masculino”. A boa notícia é que há “cada vez maior abertura”, defende Sousa.
Cinco anos. O que mudar?
Em 2023, estar offline será um luxo, as ruas serão dominadas por automóveis autónomos e estaremos mais perto de poder editar o próprio genoma humano. Como terão afetado estes cinco anos o universo do empreendedorismo? As empreendedoras ouvidas pelo ECO deixam os seus conselhos e desejos.
“A indústria precisa de mais diversidade e isso inclui haver mais mulheres em tecnologia”, avança Cristina Fonseca. Para que tal aconteça, Suzy Vasconcelos sugere que se imponha um rácio às empresas de modo a que contratem tantas mulheres quantos homens para os mesmos cargos. “Tenho a ideia de que isso pode não ser justo, mas temos de começar por algum lado”.
Esse equilíbrio nas empresas também é desejado por Joana Rafael, que espera que, a montante, haja mesmo mais “mulheres e raparigas a formarem-se em áreas tecnológicas”.
Com pulso mais firme, Beatriz Cardoso ultrapassa Suzy: não quer o começo da mudança, quer que a própria mudança deixe de ser um tema. “Gostava que as oportunidades fossem iguais para todos, para que isso [as diferenças entre homens e mulheres] deixasse de ser um tema”, reforça.
Rita Sousa acrescenta: “Acho fundamental haver maior equilíbrio. Espero estar no ecossistema para ajudar que isso aconteça”. A investidora acredita, assim, que a mudança só pode ser impulsionada por um trabalho de equipa.
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