OPV falhadas, aumentos de capital e emissões de dívida fracassadas. Onde estão os investidores?
OPV da Sonae MC e da Science4You falharam. O mesmo aconteceu com os aumentos de capital da Pharol e Vista Alegre. Já o Montepio sondou e recuou numa emissão obrigacionista. O que leva estes falhanços?
Os investidores parecem estar de “costas voltadas” para o mercado de capitais. A entrada “de luxo” da Farfetch na bolsa de Nova Iorque, em setembro, foi um dos pontos altos das mais recentes operações nos mercados acionistas. Já antes, em julho, a estreia da Raize parecia ser o primeiro passo no retomar do brilho da praça nacional após uma saída massiva de cotadas. E várias empresas parecem ter aproveitado a boleia para tentar a sua sorte. Mas o resultado não está a ser o melhor. Os investidores parecem ter desaparecido do mercado e as OPV, os aumentos de capital e as emissões de dívida falhadas sucedem-se. Impõe-se a questão: Porquê? Nas condições do mercado, na cautela e na seletividade dos investidores estará grande parte da resposta.
A Science4You é um dos mais recentes exemplos deste tipo de falhanços. Após uma segunda tentativa ao decidir prolongar o período da sua Oferta Pública de Venda (OPV), ainda antes do fim do prazo de subscrição, a empresa de brinquedos didáticos desistiu da operação. A falta de procura esteve na base da decisão.
A surpresa seria maior caso este fosse o primeiro anúncio do género. Mas não. Há três meses, em outubro, a Sonae também desistiu de cotar em bolsa o seu negócio de retalho, depois de ter promovido a OPV da Sonae MC. Recuou logo na primeira semana da oferta, justificando-o com a tensão nos mercados internacionais, situação que afastou os investidores institucionais, condenando o seguimento da operação.
"[O falhanço das ofertas] Reflete provavelmente uma deterioração no enquadramento dos mercados financeiros a nível internacional, assim como um sentimento de maior cautela por parte dos investidores.”
Mas não é só de OPV que se compõem os falhanços e a falta de interesse dos investidores. O último mês de 2018 fica marcado pelo recuo em dois aumentos de capital: da Pharol e da Vista Alegre, que neste último caso também envolvia uma dispersão de novas ações em bolsa. Qualquer das duas empresas alegou condições do mercado para justificar a retirada das respetivas operações.
“Reflete, provavelmente, uma deterioração no enquadramento dos mercados financeiros a nível internacional, assim como um sentimento de maior cautela por parte dos investidores”, afirmou precisamente Albino Oliveira, analista da Patris, para justificar todos esses desfechos.
Uma cautela que também chega a outros mercados e também condenou outras operações a nível internacional. Entre os exemplos mais recentes incluem-se o recuo na entrada em bolsa da holandesa Leaseplan, e da espanhola Cepsa, ambas em outubro.
"O atual clima de menor apetite pelo risco torna os investidores mais exigentes em operações que se encontram num ciclo de negócio já maduro.”
De salientar que o grosso de todas essas operações ocorreu no último trimestre do ano passado, um período muito negativo nas bolsas, com os investidores assustados com a guerra comercial. O Stoxx 600, índice que agrega as 600 maiores capitalizações bolsistas europeias desvalorizou perto de 12% nesse período. Tratou-se do pior registo trimestral em quase sete anos. Seria necessário recuar até ao terceiro trimestre de 2011 para assistir a um registo pior.
“As bolsas emergentes estão a perder valor há mais de um ano e os mercados acionistas norte-americanos desde outubro têm penalizado a confiança nas praças, o que não motiva a participação em colocações com determinados perfis”, refere Paulo Rosa, economista e senior trader do Banco Carregosa. “O atual clima de menor apetite pelo risco torna os investidores mais exigentes em operações que se encontram num ciclo de negócio já maduro”, complementa o mesmo especialista.
"A perda de credibilidade do mercado português, que infligiu fortes perdas aos obrigacionistas e acionistas de empresas portuguesas, ditou um afastamento dos investidores em empresas portuguesas.”
Separar o “trigo do joio” é um fator também apontado por Pedro Lino para justificar a falta de interesse dos investidores em participar nestas operações. “Existe uma maior aversão ao risco e consequentemente uma seletividade acrescida de investimentos“, justifica o economista e presidente da Dif Broker.
No que respeita ao caso específico das operações bolsistas que têm falhado no mercado nacional, Pedro Lino acrescenta ainda “a perda de credibilidade do mercado português”, lembrando as fortes perdas infligidas aos acionistas e obrigacionistas de empresas, situação que “ditou um afastamento dos investidores em empresas portuguesas”.
Crise também chega ao mercado da dívida?
Esse afastamento também poderá estar a ameaçar o mercado obrigacionista, apontado como um refúgio para os investidores se protegerem face à turbulência que recentemente tem afetado os mercados acionistas. O Banco Montepio terá sido uma das vítimas. Fez uma abordagem junto do mercado para avaliar o apetite dos investidores por dívida subordinada, mas acabou por desistir da operação devido “às condições adversas” do mercado.
Mas a culpa poderá não ser exclusiva do mercado. “A dívida é considerada um refúgio, desde que o risco do emitente seja aceitável por parte dos investidores”, começa por dizer Pedro Lino, considerando que a dívida do Montepio, “num ambiente de aversão ao risco não demonstrou ser suficientemente interessante para atrair investidores”.
No mesmo sentido vai a opinião de Albino Oliveira. “Poderíamos talvez falar em refúgio se se tratasse de dívida por parte de um soberano relativamente ao qual os investidores não tivessem questões em termos de risco de crédito para esse mesmo emitente”, diz. Lembra ainda que no caso do Montepio “trata-se de um emitente para o qual os investidores poderão eventualmente ter questões em termos do risco de crédito associado e, por esse motivo, suscetível a uma deterioração nas condições de acesso a financiamento junto dos mercados de capitais como foi observada ao longo dos últimos meses”.
É neste contexto que o BCP está a preparar-se para ir ao mercado de dívida, neste caso com títulos de elevado risco. O banco liderado por Miguel Maya contratou vários bancos para explorar a possibilidade de realizar uma emissão de títulos de dívida subordinados perpétuos, classificada como Additional Tier 1 (AT1), ou seja, que conta para os rácios de capital. A emissão deste tipo de dívida vai de encontro ao exigido pelo Banco Central Europeu (BCE) às instituições financeiras da Zona Euro.
Precisa-se de mais confiança, credibilidade e menos aversão ao risco
Após todos esses falhanços, a retoma da confiança das empresas em regressar ao mercado está, segundo os especialistas, assente em três fatores: enquadramento mais favorável dos mercados, maior otimismo e tolerância ao risco por parte dos investidores, mas também de recuperação de credibilidade no caso particular do mercado nacional.
“Este tipo de operações está dependente do aumento da credibilidade do mercado português, da solidez das empresas e de perspetivas de crescimento, que suportem a confiança dos investidores”, defende Pedro Lino. E lembra que “as perdas do BES, PT, Banif estão presentes nas mentes dos investidores nacionais e estrangeiros”,antecipando que tal deverá “continuar a pesar nos próximos anos”.
"As perdas do BES, PT, Banif estão presentes nas mentes dos investidores nacionais e estrangeiros e deverão continuar a pesar nos próximos anos.”
Numa perspetiva mais global, a retoma das operações no mercado acionista e obrigacionista está em grande medida nas mãos do banco central norte-americano. “Se a Reserva Federal abrandar a política contracionista, as colocações dos títulos em mercado primário, e as OPA entre empresas do mesmo setor e as emissão de obrigações, poderão constituir de novo uma alternativa”, defende Paulo Rosa.
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