Berardo, Vale do Lobo, Artlant, Manuel Fino e Lena: Grandes devedores explicam as perdas milionárias da Caixa
Comissão de inquérito à Caixa começa agora a ouvir a versão dos grandes devedores. Vão passar pelo Parlamento Joe Berardo, Diogo Gaspar Ferreira, Matos Gil, Fino, entre outros.
Depois da EY, dos supervisores, dos antigos diretores e presidentes da Caixa Geral de Depósitos (CGD), a comissão de inquérito ao banco público começa a ouvir agora os grandes devedores. Esta semana será a vez de Diogo Gaspar Ferreira (Vale do Lobo) e de Joe Berardo irem ao Parlamento, na quinta e sexta-feira, explicarem as perdas milionárias que provocaram ao banco. Depois seguir-se-ão Manuel Matos Gil (La Seda), Manuel Fino e Joaquim Barroca (grupo Lena).
São alguns dos nomes que estão ligados à lista dos 25 maiores créditos em incumprimento e que originaram perdas por imparidade na ordem dos 1.200 milhões de euros. Mas cada negócio teve uma história por trás.
Diogo Gaspar Ferreira e o mau negócio de Vale do Lobo
Quem vai ser ouvido: Diogo Gaspar Ferreira (Vale do Lobo)
Perdas para a CGD: 294 milhões de euros
Foi o então administrador Armando Vara quem levou um “dossiê preparado” sobre o projeto do empreendimento turístico de Vale do Lobo ao então diretor de Empresas Sul, Alexandre Santos, que confessou há três semanas no Parlamento que foi caso único durante o tempo em que lá esteve.
Em junho de 2006, Armando Vara enviou um e-mail àquele diretor para estudar o projeto com celeridade. Poucos meses mais tarde, em outubro de 2006, a CGD estava a aprovar um financiamento a Vale do Lobo no valor de 170 milhões de euros, mais suprimentos de 50 milhões, isto além de ter entrado com 30 milhões na sociedade Wolfpart que serviu para compor a parte dos capitais próprios que eram exigidos na estrutura de financiamento do projeto (substituindo-se ao aval pessoal que era pedido aos promotores, incluindo Diogo Gaspar Ferreira, Rui Horta e Costa e um grupo liderado por Hélder Bataglia).
De acordo com a EY, o financiamento a este resort de luxo veio a dar perdas de 75 milhões de euros à CGD, enquanto a Wolfpart gerou uma menos-valia de 219 milhões.
Diogo Gaspar Ferreira é ouvido a partir das 17h00 desta quinta-feira num negócio que Santos Ferreira já considerou como mau e com maus resultados. “Se Vale de Lobo é um ponto alto da vida da Caixa? Obviamente que não é um momento bom”, disse o antigo presidente da Caixa. Armando Vara, que foi quem introduziu Vale do Lobo na esfera do banco e aprovou depois a criação da Wolfpart, também vai ser ouvido na comissão, mas só em junho.
Berardo entre a coleção de arte e o assalto ao BCP
Quem vai ser ouvido: Joe Berardo (Metalgest e Fundação Berardo)
Perdas para a CGD: 152 milhões de euros
Foi a deputada Mariana Mortágua quem descreveu a proposta de financiamento de 50 milhões de euros à Metalgest para Joe Berardo: teve como base a “aparente mais-valia” da empresa e notícias sobre os “resultados aceitáveis” do comendador na bolsa, fatores que serviram como atenuante do parecer condicionado emitido pela direção-geral de risco da CGD. Não foi a única entidade de Joe Berardo a financiar-se junto do banco público: mais tarde foi aberta uma conta corrente onde o empresário se podia financiar até 350 milhões, através da Fundação Joe Berardo.
A EY quantifica as perdas por imparidade na ordem dos 150 milhões de euros, mas a CGD não é o único banco que ficou a perder com o empresário. Além do banco público, também o BCP e o Novo Banco já avançaram para tribunal para tentar executar a coleção de arte de Joe Berardo. “Desejo-lhes muita sorte”, disse Eduardo Paz Ferreira, da comissão de auditoria da CGD, que revelou no Parlamento que o comendador teve tratamento especial no banco.
Aliás, vários responsáveis do banco foram confrontados pelos deputados com as condições que foram dadas ao empresário madeirense para financiar a sua batalha na guerra dos acionistas do BCP há cerca de uma década: ausência de aval pessoal, taxas de financiamento mais favoráveis. Joe Berardo é ouvido a partir das 14h30 desta sexta-feira.
Na sua audição há uma semana, Carlos Santos Ferreira tentou contrariar a teoria do assalto ao BCP.: “É bucha para encher discursos”, disse o antigo presidente da CGD que depois foi liderar o BCP. Em declarações à imprensa, o comendador sugeriu outro cenário ao dizer que foram os bancos que foram ter com ele para comprar ações do BCP numa altura em que os acionistas lutavam pelo controlo do banco.
Matos Gil e a aventura na La Seda
Quem vai ser ouvido: Manuel Matos Gil (Imatosgil, acionista de referência da La Seda)
Perdas para a CGD: 264 milhões de euros
Em 2006, a CGD entrou no capital da La Seda (onde já lá estava a Imatosgil) com o objetivo claro de influenciar as decisões de investimento do grupo catalão. A ideia era trazer uma fábrica de produção da PTA (plástico utilizado no fabrico de vestuário, garrafas plásticas ou peças para automóveis) para Sines, a Artlant. Tudo correu mal: veio a crise financeira global, o acionista que deveria ficar com toda a produção da Artlant faliu e o negócio veio dar perdas de 264 milhões de euros, respeitantes a menos-valias da participação na La Seda e a imparidades sob crédito.
Faria de Oliveira revelou na semana passada que foi o grupo Imatosgil quem apresentou o projeto junto da CGD e que o banco “foi instado várias vezes” pelo Governo de José Sócrates a envolver-se naquele investimento que foi considerado PIN (Potencial Interesse Nacional). Relatou mesmo uma reunião em que estava presente o ministro da Economia da altura, Vieira da Silva, quando a La Seda já se encontrava em reestruturação.
Manuel Matos Gil ia ser ouvido esta quarta-feira no Parlamento, mas o facto de se encontrar no México adiou a audição para as próximas semanas.
Manuel Fino, a Cimpor e a guerra no BCP
Quem vai ser ouvido: José Manuel Fino e Francisco Manuel Fino (filhos de Manuel Fino, Investifino)
Perdas para a CGD: 138 milhões de euros
As informações constam no relatório preliminar da EY. Em 2005 e 2007, a Investifino obteve dois financiamentos de 180 milhões de euros da CGD: a primeira operação serviu para comprar ações da Cimpor, que tinha acabado de desblindar estatutos; a segunda serviu para o empresário participar naquilo que se chamou de assalto ao BCP. Nos financiamentos, a EY identificou situações de exceção ou de não cumprimento das regras internas, nomeadamente quanto às garantias reais para cobrir pelo menos 120% dos custos totais do empréstimo.
Dois anos depois, com a crise financeira no auge, Manuel Fino e banco acordaram uma reestruturação de vários contratos (eram seis na altura), num processo através do qual a Investifino vendeu 9,5% da cimenteira à CGD e que abateu uma parte da dívida que na altura ascendia a 306 milhões. Também a reestruturação levantou dúvidas à auditora. Em 2015, a CGD tinha uma exposição creditícia de 138,5 milhões de euros que dava como perdida quase na totalidade.
Sobre os empréstimos a Manuel Fino, Carlos Santos Ferreira teve oportunidade de dizer que a crise financeira não explica tudo, admitindo alguma culpa os negócios ruinosos da CGD. “Também houve erros. Não gostava de negar que houve erros. Houve um período de euforia, tudo a correr bem, e de um momento para o outro o mundo desapareceu. Podíamos ter sido mais prudentes? Podíamos”, disse o antigo presidente do banco público.
Vão ser ouvidos os filhos de Manuel Fino, José e Francisco, na próxima terça-feira, pelas 9h30.
Barroca explica exposição ao grupo Lena
Quem vai ser ouvido: Joaquim Barroca (Grupo Lena)
Perdas para a CGD: 67 milhões de euros
Ainda pouco se falou dos empréstimos ao grupo Lena na comissão de inquérito. Mas a EY identifica duas entidades ligadas à construtora de Joaquim Barroca, que é acusado de ter corrompido o antigo primeiro-ministro José Sócrates: a Lena Construções e a Always Special. De acordo com a auditora, a CGD detinha, no final de 2015, exposições de crédito de 48,7 milhões de euros e de 44,3 milhões, respetivamente. O empréstimo à Always Special estava dado como totalmente perdido pela Caixa. Estão entre os financiamentos que mais deram perdas ao banco público.
Quando foi confrontado com o assunto, Carlos Santos Ferreira explicou que o conselho de crédito da CGD aprovou a primeira operação mesmo contrariando o parecer desfavorável da direção de risco por causa da “exposição muito grande à construtora Abrantina” que o grupo havia adquirido em 2007 e da concorrência do mercado. “A CGD estava muito interessada na operação”, frisou o antigo presidente do banco público.
Na altura, a operação foi sugerida pelo banco de investimento da CGD, presidido por Santos Ferreira, lembrou a deputada do PS Constança Urbano de Sousa. Mas Santos Ferreira quis desfazer qualquer dúvida à deputada quanto ao seu envolvimento na operação e revelou que quem geria a parte operacional do banco de investimento era Jorge Tomé, “um grande profissional da banca”, considerou.
A audição de Joaquim Barroca está marcada paras as 9h30 da próxima quinta-feira.
(Por engano, associou-se Manuel Fino à Finpro, mas tal não corresponde à verdade. A Finpro foi uma sociedade que teve como acionistas Horácio Roque e Américo Amorim. As nossas desculpas aos visados e aos leitores)
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