Os ingredientes que fizeram este Web Summit
Uma boa dose de crítica às grandes tecnológicas, com uma pitada de autoconsciência e futuro q.b. Estes foram os ingredientes com que se fez o Web Summit 2019, a quarta edição do evento em Lisboa.
A consciência do “eu” marcou o quarto Web Summit em Lisboa. Assim como a noção de que um conjunto de empresas que todos conhecemos ganharam tal dimensão que, hoje, são merecedoras de uma regulamentação específica, desenhada à medida.
Como apontou o Presidente Marcelo na conferência, as sucessivas edições do Web Summit em Portugal são já um reflexo da evolução da tecnologia moderna. Em 2017, em plena euforia da bitcoin, falou-se muito de criptomoedas e mais de inteligência artificial. Em 2018, no rescaldo do escândalo da Cambridge Analytica e do Facebook, o tema foi a regulamentação.
Um ano passou e estes continuaram a ser assuntos na ordem do dia. Mas, sobretudo, o Web Summit de 2019 foi tomado por uma reflexão quase metafísica sobre o papel da tecnologia nas nossas vidas, o propósito por detrás das ideias e, claro, como desenvolver produtos e serviços mais sustentáveis para o planeta.
Olhemos, por exemplo, para as declarações de Margrethe Vestager, a comissária europeia que tem sido o rosto da “luta” regulatória contra gigantes Google, Apple e Amazon, descrita convenientemente pela organização do evento como “a mulher mais importante no setor da tecnologia” nos dias que correm.
“A minha primeira prioridade serão sempre os humanos. A tecnologia tem de nos servir. O desafio que temos é criar uma comunidade tecnológica muito mais diversa e que reflita o mundo em que queremos viver”, disse. Mas foi ainda mais longe: “Podemos ter nova tecnologia, mas não temos novos valores”.
Ou para as de Edward Snowden, o whistleblower que finalmente marcou “presença” no evento por videochamada, a partir de Moscovo (Rússia). Quando questionado sobre que conselho poderia dar aos milhares de empreendedores que estavam a assistir, afirmou: “Em vez de pedirem às pessoas para confiarem em vocês e nos vossos serviços, façam com que as pessoas nem tenham de confiar em vocês”.
Partir ou não partir, eis a questão
Num Web Summit onde cada vez mais as grandes empresas se misturam com as startups, a regulação foi assunto que não passou ao lado. Há um consenso mais ou menos generalizado de que é preciso criar regras para as GAFA — Google, Amazon, Facebook e Apple –, mas também um clamor crescente que pede uma solução mais drástica: o desmembramento.
Por exemplo, no caso do Facebook, já se defende que as autoridades devem forçar a empresa a vender o WhatsApp e o Instagram, que adquiriu há alguns anos e conferem ao grupo um estatuto próximo de monopólio. Mas o barro não colou na parede. No palco principal, Vestager disse em alto e bom som que esse mecanismo só pode ser usado em último recurso. Horas antes, a comissária com a pasta da justiça, Věra Jourová, aceitava chamar-lhe de “bomba atómica”, uma carta a jogar só em casos (ainda) mais extremos.
Não terá sido inocente a decisão da organização de convidar para o Web Summit — um evento que contou com o forte patrocínio da Huawei — o Chief Technology Officer dos Estados Unidos da América (EUA), Michael Kratsios. E também não terá sido de forma inocente que a Casa Branca aceitou. Numa palestra na Altice Arena, o conselheiro máximo de tecnologia do presidente Donald Trump aproveitou a ocasião para tecer duras críticas à marca chinesa e aos países que apoiam a China.
Quem está a par das movimentações no setor rapidamente entendeu a mensagem: entre os países parceiros do regime de Xi Jinping e da Huawei está Portugal. “Continuam a aceitar abrir os braços à China para construir infraestruturas críticas, como o 5G”, afirmou, num claro recado ao governo português e às principais operadoras de telecomunicações portuguesas, que estão a usar equipamento dessa marca nas suas redes de última geração.
“O governo chinês viola a privacidade de todos os cidadãos no seu país. A lei chinesa obriga todas as empresas, incluindo a Huawei, a colaborar com o governo”, disse Kratsios, repetindo a narrativa que tem sido veiculada pela Casa Branca e que deixa sempre a Huawei de cabelos em pé. Horas depois de Kratsios ter sido assobiado à saída do palco do Web Summit, a marca chinesa emitiu um comunicado a dizer que o discurso foi “um insulto aos valores europeus” e a reiterar que “a cibersegurança e a proteção da privacidade” são as suas mais altas prioridades.
Alguns países continuam a aceitar abrir os braços à China para construir infraestruturas críticas, como o 5G.
Robôs já (nos) dominam
Se tem pesadelos com máquinas a conquistarem o mundo, este Web Summit não foi para si. Como o ECO mostrou nesta fotogaleria, os robôs dominaram o evento e até a Sophia, a humanoide mais famosa do país, trouxe companhia para o evento.
A demonstração não entusiasmou particularmente os veteranos do Web Summit, que já se acostumaram a ver as criações da Hanson Robotics marcarem presença neste evento. Só que, nesta edição, o protagonismo dos humanoides foi roubado por um outro robô, o Spot, desenvolvido pela Boston Dynamics, uma das empresas mais promissoras do mundo nesta área.
O Spot já era internacionalmente conhecido no mundo da tecnologia, mas o Web Summit foi a primeira oportunidade que muitos tiveram de ver este “cão robô” em ação. Entrou pelo próprio pé na Altice Arena, pelo meio da multidão, subiu o palco pé ante pé e, vaidoso, exibiu-se aos milhares de participantes do evento.
A performance merece o título de “wow factor” da edição deste ano do Web Summit, ou não fosse essa a interjeição que mais se escutou nos poucos minutos que Marc Reibert, fundador, teve para falar. O Spot destacou-se pela naturalidade dos movimentos, que deixaram muita gente confusa: será ele um robô cão, ou um cão disfarçado de robô?
Em 2020 há mais. Repetindo a estratégia de outros anos, a organização do Web Summit anunciou bilhetes para a próxima edição, com desconto, mal o evento deste ano tinha acabado. De resto, da edição de 2019, com mais de 70.000 participantes, surge uma certeza: a Altice Arena começa a ser pequena para acolher tanta gente. Nas próximas edições, não seria surpresa ver um maior controlo na atribuição de credenciais e subidas nos preços dos bilhetes.
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