Lei agrava cortes salariais dos trabalhadores abrangidos pelo “novo lay-off”
Seria mais vantajoso se o "novo lay-off" calculasse os salários em proporção direta com o período de trabalho mantido, como aconteceu no lay-off simplificado, mas o Governo decidiu tomar outra opção.
O apoio à retoma progressiva assegura um reforço dos ordenados ligeiramente inferior ao esperado, em quatro dos cinco meses em que estará em vigor. Isto porque a medida determina que os vencimentos deverão ser calculados não com base na proporção direta ao período de trabalho mantido — como aconteceu no lay-off simplificado — mas com base na retribuição horária. Tal implica que, nos meses com menos dias úteis, os vencimentos serão menores.
O apoio à retoma progressiva garante aos trabalhadores uma maior fatia do vencimento do que no lay-off simplificado, assegurando não só o pagamento a 100% das horas trabalhadas, mas também uma parte (dois terços entre agosto e setembro, e quatro quintos entre outubro e dezembro) das horas não trabalhadas.
O decreto-lei 46-A de 2020 indica, contudo, que a retribuição devida pelas horas trabalhadas deve ser calculada nos termos do artigo 271º do Código do Trabalho, ou seja, com base no valor da retribuição horária e não na proporção direta, como aconteceu no lay-off simplificado.
Tal significa que os trabalhadores vão ganhar um vencimento menor do que o esperado, nos meses com menos de 22 dias úteis, ou seja, em quatro dos cinco meses em que esta medida estará em vigor.
De resto, por força desta base de cálculo, os limites mínimos de retribuição indicados pelo Governo no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) não estão plenamente assegurados.
O Executivo tinha avançado que os trabalhadores abrangidos pelo apoio à retoma progressiva não receberiam menos de 77% da sua retribuição normal, entre agosto e setembro, e 88%, entre outubro e dezembro.
As simulações feitas pelo ECO deixam perceber, no entanto, que apenas com base na proporção direta se poderia assegurar em todos os casos o cumprimento desses patamares. Com base na retribuição horária, a fatia do vencimento garantida tende a ser alguns euros mais magra, em certos casos.
Por exemplo, um trabalhador que, em circunstâncias normais, recebia 1.000 euros e que sofra um corte de 70% do seu horário, em agosto e setembro, passará a ganhar por mês 763,59 euros e 768,21 euros, respetivamente.
Se se aplicasse a regra da proporção direta, esse trabalhador receberia 766,76 euros em ambos os meses, ou seja, cerca de 77% da sua retribuição normal, tal como tinha indicado o Governo no PEES. A legislação deixa claro, contudo, que se deve aplicar não este raciocínio, mas a retribuição horária.
E como em setembro há mais dias úteis (22) do que em agosto (21), logo o número de horas trabalhadas será maior e, consequentemente, a remuneração será mais elevada. Em agosto, o trabalhador receberá, por isso, menos 3,08 euros do que receberia se o cálculo fosse feito por proporção direta. Já em setembro, ganhará mais 1,54 euros do que ganharia por via da proporção direta.
Setembro é, de resto, o único mês do ano em que tal acontece. Uma vez que outubro, novembro e dezembro têm todos menos de 22 dias, o cálculo com base na retribuição horária é sinónimo de remunerações mais magras do que o esperado.
O Governo tinha indicado que, nesse período, seria garantida uma fatia mínima de 88% da retribuição normal, ou seja, o trabalhador do exemplo referido receberia 880 euros, ao ser alvo de um corte de 60% do seu horário.
Com base na retribuição horária, ganhará contudo menos 2,46 euros do que esse valor, entre outubro e novembro, e menos 6,15 euros em dezembro. Isto é, receberá 877,54 euros e 873,85 euros, nos respetivos períodos.
A diferença torna-se mais significativa à medida que aumentam os salários. Por exemplo, um trabalhador que, em circunstâncias normais, recebia 3.000 euros e que sofra o mesmo corte no horário de 70% entre agosto e setembro e 60% entre outubro e dezembro, receberá menos 18,46 euros, no último mês do ano, do que ganharia se o vencimento fosse calculado por proporção direta.
De notar, por outro lado que os trabalhadores abrangidos por este regime recebem, no mínimo, 635 euros por mês, ou seja, nos casos em que o corte no horário implicaria uma remuneração abaixo do salário mínimo nacional assegura-se os tais 635 euros, mesmo no cálculo com base horária.
É este o caso de um trabalhador com uma retribuição normal de 750 euros e que sofra o mesmos cortes no horário já referidos. Entre agosto e setembro, receberá o montante do salário mínimo nacional, valor que receberia também se o cálculo fosse feito em proporção e não pela retribuição horária.
Já entre outubro e dezembro, esse trabalhador recebe menos do que tinha esperado: menos 1,85 euros euros em outubro e novembro do que por via da proporção direta e menos 4,62 euros em dezembro, pela mesma razão.
E se o corte no horário for menor? A regra mantém-se: em quatro dos cinco meses do apoio à retoma, seria mais vantajoso calcular a proporção direta do vencimento.
No caso dos trabalhadores com cortes no horário de 50%, em agosto e setembro, o Governo indicou que receberiam, no mínimo, 83% da sua retribuição normal. O ECO fez as contas.
Um trabalhador com um salário de 1.000 euros que sofra esse corte receberá 828,21 euros em agosto (menos 5,13 euros do que se o cálculo fosse proporcional) e 835,90 euros em setembro (mais 2,56 euros do que por via da proporção direta).
Já entre outubro e dezembro, o Executivo adiantou que o corte horário máximo para as empresas com quebras acima de 40%, mas abaixo de 60% passaria a ser 40%, indicando como ordenado mínimo, nesses casos, 92% da retribuição normal.
O tal trabalhador com um salário de 1.000 euros receberá, contudo, alguns euros a menos do que 920 euros (92% da retribuição normal): 916,31 euros, em outubro e em novembro, e 910,77 euros, em dezembro.
De notar que, apesar de ter incluído os limites mínimos referidos no diploma relativo ao PEES publicado em Diário da República, o Executivo escolheu não fazer qualquer menção a estas percentagens no decreto-lei que efetivamente regulamenta o apoio à retoma progressiva.
Além disso, nos esclarecimentos divulgados inicialmente pela Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) e pela Segurança Social, indicava-se que, ao contrário do que dizia a legislação, o vencimento dos trabalhadores abrangidos pelo apoio à retoma progressiva devia ser calculado com base numa proporção direta. Essas explicações acabaram por ser corrigidas esta semana. DGERT e Segurança Social garantem agora que deverá ser a retribuição horária prevista no Códido do Trabalho a base dos cálculos.
Desenhado para suceder ao lay-off simplificado, o apoio à retoma progressiva permite às empresas com quebras de, pelo menos, 40% reduzir os horários dos trabalhadores, em função da sua faturação. Assim, as empresas com quebras de, pelo menos, 40% (mas inferiores a 60%), podem reduzir os horários em 50%, entre agosto e setembro, e em 40%, entre outubro e dezembro. Já as empresas com quebras superiores a 60% podem reduzir os horários em 70%, entre agosto e setembro, e 60%, entre outubro e dezembro.
Em ambas as situações, as empresas ficam responsáveis pelo pagamento de 100% da retribuição devida pela horas trabalhadas. Os trabalhadores recebem ainda uma fatia variante (dois terços entre agosto e setembro e quatro quintos entre outubro e dezembro) da compensação referente às horas não trabalhadas, paga em 70% pela Segurança Social e em 30% pelo empregador.
Esta segunda-feira, o Governo anunciou que vai permitir uma redução de até 100% nas horas trabalhadas nos contratos de trabalho no regime do apoio à retoma progressiva, nas empresas com maior quebra de faturação. Mas esta flexibilização não prevê uma suspensão temporária dos contratos de trabalho, como acontecia no regime do lay-off simplificado.
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