Autoridade da Concorrência já aplicou quase mil milhões de euros em multas desde 2017
Com a "multa" aos supermercados anunciada esta semana, o montante das coimas aplicadas por Margarida Matos Rosa desde que é presidente da Autoridade da Concorrência ascende a 906 milhões de euros.
A Autoridade da Concorrência (AdC) já aplicou quase 1.000 milhões de euros em “multas” desde que a economista Margarida Matos Rosa assumiu a presidência do regulador. O valor exato é de 906 milhões de euros em coimas desde 2017 — de longe, o mais elevado de sempre para qualquer presidente da história da AdC.
O número foi avançado ao ECO por fonte oficial da AdC, no rescaldo de mais uma multa milionária aplicada por esta entidade. Na quarta-feira, o regulador sancionou em quase 24,7 milhões de euros os supermercados Auchan, Modelo Continente e Pingo Doce e o fornecedor Bimbo Donuts, acusando-os de terem participado num esquema de fixação de preços de venda ao consumidor (as empresas vão recorrer da decisão).
O montante de 906 milhões de euros já inclui essa coima aplicada esta semana e 80% deste valor diz respeito a “práticas entre concorrentes”, vulgo cartéis. Em concreto, em 2021, com o ano perto de chegar ao fim, a AdC já registou 120 milhões de euros em coimas em oito decisões condenatórias e quatro notas de ilicitude em diversas áreas, da saúde aos contratos públicos.
Apesar de o número encher o olho, o valor final relativo a este ano deverá ficar aquém do recorde anual alcançado em 2020. No ano passado, a AdC aplicou “coimas no total de 393,2 milhões de euros, no quadro de uma política sancionatória que procura atender às exigências de prevenção geral e especial, garantindo a confiança dos agentes económicos e dissuadindo as empresas de se envolverem em comportamentos anticoncorrenciais”, lê-se no relatório de atividades da AdC.
Foi “o total anual mais elevado de coimas” alguma vez aplicado pela entidade, acrescenta o mesmo documento. Mas tal não teve reflexo nos rendimentos do regulador, ainda que este tenha direito, nos termos da lei, a ficar com 40% do valor das coimas que aplica, transferindo os restantes 60% para os cofres do Estado.
Segundo o referido relatório de atividades, “o total de rendimentos referentes a processos de contraordenação que resultaram na aplicação de coimas por parte da AdC registou, em 2020, um decréscimo significativo relativamente” a 2019. Designadamente, encolheu quase 90% no ano da pandemia, de 482,59 mil euros para apenas 62 mil euros.
A discrepância pode ser explicada com o facto de muitas das coimas aplicadas pela AdC acabarem por ser alvo de recurso, com os processos a arrastarem-se vários anos em tribunal, sem cobrança efetiva até haver uma decisão final. A AdC reconhece apenas o produto das coimas “no momento em que nasce o direito legal ao benefício económico”, ou seja, quando a decisão acaba por transitar em julgado ou quando a “multa” é efetivamente paga à AdC pelo infrator.
Por outras palavras, o regulador da concorrência multa muito, mas tem cobrado pouco. “Nos rendimentos com origem em processos de contraordenação, o decréscimo verificado [de quase 90%] resulta do reconhecimento, em 2020, de apenas uma decisão condenatória que cumpre as condições de reconhecimento do rédito”, secunda o documento.
No final de 2020, a AdC apontava ainda como “recebimentos pendentes” quase 1,18 milhões de euros em coimas. Este valor resulta de dois processos de contraordenação envolvendo empresas que foram declaradas insolventes antes do pagamento dessas “multas”, de acordo com a entidade.
Hipermercados na mira da AdC
Como referido, esta semana foi conhecida a mais recente sanção milionária da AdC, no valor de 24,7 milhões de euros, envolvendo vários supermercados e o fornecedor comum Bimbo Donuts. Só esta última empresa arrisca-se a pagar 7,35 milhões de euros se a decisão de Margarida Matos Rosa for confirmada pelos tribunais.
“Através de contactos estabelecidos através do fornecedor comum, sem necessidade de comunicar diretamente entre si, as empresas de distribuição participantes asseguram o alinhamento dos preços de retalho nos seus supermercados, numa conspiração equivalente a um cartel, conhecido na terminologia do direito da concorrência como hub-and-spoke“, explicou a AdC num comunicado.
Não é o único processo a “apanhar” grandes superfícies de retalho alimentar este ano. No início do mês, a AdC sancionou em 92,8 milhões de euros o Modelo Continente, o Pingo Doce, o Auchan, o E. Leclerc, a Super Bock e duas pessoas singulares por prática de hub-and-spoke.
Fora do setor do retalho, na “lista negra” da AdC entraram ainda este ano a Blueotter e a Egeo, sancionadas em 2,9 milhões de euros pela “implementação de um acordo de não concorrência no mercado da prestação de serviços aos sistemas de gestão de resíduos” no país; e a Natus Medical Inc., multada em 100 mil euros por restringir a concorrência na distribuição de dispositivos médicos essenciais em Portugal, de acordo com informação facultada pelo regulador.
Nem mesmo a Associação Nacional de Topógrafos (ANT) escapou ao regulador liderado por Margarida Matos Rosa, que sancionou a organização em 50 mil euros, acusando-a de “restringir a concorrência no mercado dos serviços de levantamento topográfico”, fixando preços para os mesmos. Em 2021, foram ainda emitidas três decisões sancionatórias por gun-jumping (aquisição do controlo de uma empresa antes da autorização da AdC), “levando a multas totais de 395 mil euros impostas à Fidelidade, SFI Group e AOC Health.
Segundo o balanço feito ao ECO, emanaram também do regulador quatro notas de ilicitude: na área da saúde, envolvendo cinco hospitais privados e a sua associação comercial, por acordo anticoncorrencial; nos serviços de segurança e vigilância, envolvendo sete empresas que estabeleceram um cartel; no mercado laboral, envolvendo a Liga Portuguesa de Futebol e 31 sociedades desportivas; e, novamente, na grande distribuição, envolvendo quatro insígnias de supermercados e um fornecedor de produtos alimentares, domésticos e de higiene pessoal. Ao longo de 2021, a AdC fez também quatro diligências de busca e apreensão.
No ano passado, também houve várias “multas” mediáticas. Um dos casos que fez manchetes nos jornais foi o da “multa” de 84 milhões de euros à Meo, detida pela Altice Portugal, por alegadamente ter estabelecido um cartel com a concorrente Nowo ao abrigo de um acordo que permitiu a esta última entrar no negócio móvel. “No âmbito deste cartel, a Nowo acordou ilegalmente com a Meo não disponibilizar ofertas móveis a cinco euros ou menos”, disse a AdC na altura. A aplicação dessa coima só terá sido possível porque a Nowo denunciou a infração por sua própria iniciativa, tendo beneficiado de clemência.
Margarida Matos Rosa assumiu a presidência da AdC em 28 de novembro de 2016, cargo que ocupa desde então. O seu mandato é de seis anos, pelo que deverá terminar no ano que vem.
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