Governo absoluto de Costa acumula casos em cinco meses
Entre os 17 ministros do executivo, pelo menos seis já estiveram envolvidos em uma ou mais polémicas nos últimos 150 dias.
“Desta vez, a tormenta não dá sequer dois meses de estado de graça” ao novo Governo. Quando António Costa tomou posse, pela terceira vez, como primeiro-ministro de Portugal, não considerava, nos piores cenários, que o seu Governo de maioria absoluta não iria passar por tantas polémicas e casos em apenas cinco meses.
Entre os 17 ministros do executivo, pelo menos seis já estiveram envolvidos em uma ou mais polémicas nos últimos 150 dias.
Abaixo, recorde alguns dos casos dos últimos meses e que enfraquecem um Governo que enfrenta os efeitos da guerra na Ucrânia e da subida galopante dos preços da energia e de muitos outros bens, por conta da taxa de inflação.
Presidente soube do Governo pela televisão
Por causa da repetição das eleições no círculo da Europa, o novo Governo apenas tomou posse em 30 de março, dois meses depois das eleições. Mas a semana anterior tinha ficado marcada pelo primeiro caso do novo Governo.
Na tarde de 23 de março, a comunicação social começou a divulgar a lista dos novos ministros, mesmo antes da apresentação formal do primeiro-ministro, António Costa, ao Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa ficou irritado com a situação e cancelou a receção a António Costa, que estava prevista para essa noite. “Se o que corre na comunicação social estiver confirmado, dispensa-se uma audiência”, atirou o chefe de Estado.
“Só posso partilhar da mesma irritação”, afirmou horas mais tarde o primeiro-ministro.
Contribuição extraordinária por avançar
Pouco mais de uma semana de Governo em funções e já havia mais um caso. Em plena apresentação do Programa de Governo, o ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, estreou-se no Parlamento a admitir taxar os lucros extraordinários das energéticas, seguindo a recomendação da Comissão Europeia e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE).
“Quando se preocupa com a questão dos impostos, sobretudo com os lucros aleatórios que as empresas têm, nós em primeiro lugar não podemos hostilizar as empresas. O que vamos fazer é falar com elas e provavelmente considerar um imposto, um windfall tax, para os lucros aleatórios e inesperados que elas estão a ter“, afirmou António Costa Silva, em resposta à questão de Mariana Mortágua que tinha criticado a distribuição de dividendos por parte da EDP e da Galp Energia.
Um fim de semana depois, Costa Silva começou a suavizar o discurso e a falar que tal medida seria uma “solução de último caso”. As semanas passaram, a medida foi adotada por países como Espanha e Bélgica mas a medida nunca passou à prática em Portugal.
A ideia foi retomada em meados de agosto pelo primeiro-ministro, que afirmou que o Governo estava a “estudar e analisar profundamente” uma windfall tax sobre o setor petrolífero, embora descartando impostos extra sobre a banca e as elétricas.
Falhas no controlo das fronteiras
Os primeiros problemas deram-se no final e maio: uma reunião de um dos três sindicatos dos trabalhadores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) deixou o controlo de passaportes a funcionar com serviços mínimos entre as 6h00 e as 9h00 da manhã. O resultado foram filas de muitas centenas de pessoas.
Com os números do turismo à beira dos recordes pré-pandemia, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, teve de apresentar, dois dias depois, um plano de contingência.
A ideia passou por mobilizar recursos humanos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de todo o país e de diversos serviços”, mas também de agentes da PSP e que visava responder ao “pico da procura” em determinadas horas do dia.
O plano ainda demorou em entrar em ação, porque no início de junho voltaram a existir problemas no aeroporto Humberto Delgado. O ministro ameaçou com a mudança na liderança de equipas: “Uma falha desta natureza tem que levar à substituição imediata de quem tem essa responsabilidade no aeroporto”. Em velocidade de cruzeiro, o plano de contingência dura até setembro.
Feriados com problemas nas urgências
Marta Temido também teve de lançar um plano de contingência por causa dos problemas na organização de escalas de urgência externa de ginecologia e obstetrícia, logo no início de junho. Foi neste período que começaram os fechos das urgências destas especialidades em várias partes do país.
A ministra da Saúde afirmou que o plano de contingência permitiria o “funcionamento mais articulado, antecipado e organizado das urgências” do Serviço Nacional de Saúde (SNS), numa lógica de rede, e “eventualmente também com a precaução de questões remuneratórias associadas”, como o aumento do valor a pagar pelas horas extras.
Os problemas acabaram por não ser resolvidos na totalidade, com a morte de um bebé em Caldas da Rainha (em junho), de um bebé em Setúbal (em julho) e de uma grávida após transferência por falta de vagas (em agosto).
A ministra acabou por acumular um conjunto de polémicas mesmo no primeiro Governo absoluto de António Costa.
Aeroportos iam ‘despachando’ Pedro Nuno
No dia 29 de junho à tarde, o ECO revelou que o Governo tinha decidido avançar com um novo plano aeroportuário, que passava pela construção do aeroporto complementar do Montijo e, a prazo, com o novo aeroporto em Alcochete em substituição da Portela. O ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos divulgou um despacho ao final desse dia com os detalhes dessa opção e até deu entrevistas para duas televisões.
O primeiro-ministro, o Presidente da República e o principal partido da oposição não sabiam de nada a título oficial e apenas tomaram conhecimento do projeto pela comunicação social. Enquanto decorria a cimeira da NATO em Madrid, António Costa só falou com Pedro Nuno Santos de madrugada.
Na manha seguinte, António Costa deu ordem para revogar o despacho e estava criada uma crise política. Sem pedir a demissão, Pedro Nuno Santos acabaria por pedir desculpas em público e manteve-se no Governo, mais afastado do secretário-geral do PS.
Quanto ao futuro do aeroporto de Lisboa, passaram dois meses e o processo continua parado, com o Governo e o PSD a trocarem acusações.
Empréstimo do PRR para empresa de Mário Ferreira
Logo na semana seguinte houve mais um caso ligado ao Governo: a Pluris Investments, sociedade do empresário Mário Ferreira, iria receber mais de metade (52%) dos 76,7 milhões de euros de apoio à capitalização de empresas afetadas pela pandemia, segundo a edição de 5 de julho do jornal Público. Ao jornal, o gestor explicava que estes 40 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) iriam apoiar um aumento de capital da empresa de navios turísticos Mystic Cruises: “Ninguém esta a dar nada a ninguém, vão ganhar muito dinheiro com este empréstimo.”
A Pluris é a sociedade que soma participações em dezenas de empresas de setores que vão do turismo ao imobiliário, passando pelos seguros e media – detém 35,38% da Media Capital (dona da TVI).
A situação acabou por levar PSD, BE e PAN a apresentarem requerimentos para audições do ministro da Economia e do Mar, do secretário de Estado do Planeamento e da presidente executiva do Banco Português de Fomento.
No primeiro dia de agosto, o grupo de Mário Ferreira acabaria por anunciar que iria prescindir do empréstimo e que o aumento de capital seria feito com fundos próprios.
Despacho contra Endesa
31 de julho foi o início de mais uma polémica. O presidente executivo da Endesa em Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, alega que a conta da luz vai aumentar até 40% por causa do mecanismo ibérico para limitar os preços do gás, em entrevista ao Jornal de Negócios e Antena 1.
No próprio dia, o ministério do Ambiente e da Ação Climática acusa Nuno Ribeiro da Silva de alarmismo. Em 1 de agosto, a Endesa comprometeu-se em manter os preços contratuais até dezembro e cumprir os compromissos estabelecidos no mecanismo ibérico.
Mas o Governo não perdoou: o primeiro-ministro assinou um despacho para que as faturas pagas à Endesa pelo Estado sejam sujeitas a validação do secretário de Estado do Ambiente e da Energia, João Galamba. A Endesa tinha estabelecido contratos de quase 100 milhões de euros com o Estado.
Os preços do gás não pararam de subir. Consumidores e empresas vão sentir impactos nas faturas a partir de outubro, segundo a Goldenergy, EDP e Galp. As famílias poderão mudar para a tarifa regulada do gás a partir de outubro.
Contratação de Sérgio Figueiredo pelas Finanças
Notícia de 8 de agosto: Fernando Medina convidou Sérgio Figueiredo, ex-diretor de informação da TVI, para consultor estratégico especializado. A ideia era apoiar o “desenho, implementação e acompanhamento de políticas públicas, incluindo a auscultação de partes interessadas na economia portuguesa e a avaliação e monitorização dessas mesmas políticas”, escreveu o Jornal de Negócios em 8 de agosto.
A autorização para a contratação deste tipo de serviços foi publicada em Diário da República e o contrato deveria ser assinado nessa mesma semana. Mas a polémica escalou rapidamente: Fernando Medina tinha sido comentador na TVI antes de ir para o Governo durante cinco anos. Fora convidado por Sérgio Figueiredo. Além disso, o Estado tem uma entidade de planeamento de políticas, a PlanAPP., e o próprio ministério das Finanças tem o Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI).
No total, o ex-diretor de informação da TVI iria receber, em bruto, 139.990 euros, mais IVA, pagos em 24 prestações mensais. Ou seja, 5.832 euros por mês, durante dois anos. Mais do que recebe Fernando Medina. Em troca, Sérgio Figueiredo tinha o dever de sigilo e de respeitar o regime de incompatibilidades.
O primeiro-ministro acabou por afastar-se da escolha de Fernando Medina. Mesmo antes de assinar contrato, Sérgio Figueiredo acabaria por renunciar ao cargo. “Ficou insuportável tanta agressividade e tamanha afronta, tantos insultos e insinuações. Não tolero estes moralistas sem vergonha, analistas sem memória. Vergo-me aos assassínios de caráter, atingido pela manada em fúria, ferido por um linchamento público e impiedoso”, escreveu em artigo de opinião.
Seca põe ministra da Agricultura contra a CAP
Dia 11 de agosto, a Confederação dos Agricultores (CAP) criticou a escassez de medidas para mitigar o impacto da seca no setor da produção e da alimentação animal. A ministra da Agricultura não gostou e atirou-se à CAP: “É melhor perguntar porque é que, durante a campanha eleitoral, a própria CAP aconselhou os eleitores a não votar no Partido Socialista”, afirmou Maria do Céu Antunes.
A CAP acusou a governante de bullying político. Maria do Céu Antunes não deu mais resposta e guardou as declarações sobre o assunto para uma futura ida ao Parlamento, na sequência de um pedido da Iniciativa Liberal. À data da redação deste artigo, a audição ainda não estava agendada.
A primeira demissão
Precisamente cinco meses depois de tomar posse, Marta Temido demitiu-se na madrugada desta terça-feira. Foi a saída mais rápida dos Governos de António Costa: antes disso, João Soares tinha renunciado ao Ministério da Cultura, em 8 de abril de 2016, mais de cinco meses após ter tomado posse no primeiro executivo de António Costa.
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