Quanto vale um Papa em Portugal?
Entre receitas, visibilidade internacional para Portugal e um possível ponto de viragem para o turismo religioso, o Papa Francisco traz consigo muitos milhões.
Quando Francisco aterrar na base aérea de Monte Real, pelas 16h00 desta sexta-feira, dá início a um momento sem precedentes em Portugal. Um milhão de pessoas deverão estar em Fátima para receber o Papa e quebrar o recorde de participantes num só evento em território nacional. Quanto é que isso vale para o país? Entre o impacto económico puro, a visibilidade internacional para Portugal e um possível ponto de viragem para o turismo religioso… é fazer as contas.
O “evento à escala internacional” que dá um empurrão à economia
O primeiro e mais óbvio impacto desta visita é o económico. Entre receitas de alojamento, restauração, vendas de produtos religiosos, negócios improvisados e o turismo que surge pela conveniência de já se estar em Portugal, o Papa Francisco traz consigo muitos milhões de euros. Quantos, não é possível dizer. Desde logo, porque este é um evento que não tem termo de comparação. Quando Bento XVI visitou Fátima, em 2010, foi recebido por 500 mil pessoas. Para sábado, espera-se o dobro.
Mas é possível falar de estimativas de crescimento. No ano passado, o turismo gerou receitas de 12,6 mil milhões de euros, o equivalente a 6,9% do PIB nacional e a 16,7% das exportações de bens e serviços. Tudo aponta para que estes valores continuem a crescer este ano, a um ritmo de dois dígitos ou próximo disso, e a visita do Papa vai dar uma ajuda, como já reconheceu o Banco de Portugal, nas últimas projeções para a economia nacional. “Destaca-se o desempenho das exportações de turismo, que será favorecido pela ocorrência em território português de importantes eventos à escala internacional”, dizia, em março, o banco central.
Certo é que os hotéis estão de casa cheia muito para lá de Fátima. A eDreams, maior agência de viagens online da Europa, regista um aumento de 20% das reservas feitas por europeus para as cidades de Lisboa e Porto no período de 10 a 15 de maio.
Do lado da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), os números também são de lotação esgotada: “Maio está todo cheio em Lisboa”, refere ao ECO Cristina Siza Vieira, diretora executiva da associação, detalhando que dois terços dos hotéis lisboetas estão com uma taxa de ocupação de 75% ou 100% nas noites de 12 e 13 de maio. Nos dias seguintes à visita do Papa, o efeito de arrastamento chega até ao Porto e ao Algarve, com taxas de ocupação elevadas durante “todo o mês de maio”.
Depois, há o turismo de compras. Mais uma vez, não há uma estimativa de números, mas espera-se crescimento. “Há um conjunto grande de peregrinos de fora da Zona Euro que visitam o Santuário e que usufruem do benefício do tax free [a devolução do IVA a turistas não residentes na Zona Euro] nas compras que fazem na região. É difícil fazer uma estimativa, porque se trata de um acontecimento que não tem termo de comparação. Mas a expectativa é que as vendas ao abrigo do regime de tax free tenham um aumento significativo, embora pouco expressivo em termos daquilo que é o total do turismo de compras em Portugal”, explica ao ECO Renato Lira Leite, country manager da Global Blue, empresa de gestão de operações tax free.
"Quando uma marca está ligada a um momento único na vida, os consumidores passam a ter melhor perceção daquela marca, mais intenção de compra dos produtos daquela marca e dão-se até ao luxo de recomendar aquela marca.”
Para se ter uma ideia do que os estrangeiros deverão gastar a 12 e 13 de maio em Fátima, os dados da Global Blue apontam para que os turistas brasileiros (aqueles que mais compras fazem em Fátima) gastem, em média, 184 euros por cada compra nesta região. No topo dos que mais gastam, estão os turistas mexicanos, que, em 2016, gastaram uma média de 274 euros por compra na região de Fátima.
De uma perspetiva de negócio, há ainda que contar com o potencial de ganho para as marcas que se associam a esta visita. “Hoje, uma das razões de referência para a escolha de uma marca é saber se essa marca contribui para melhorar o ambiente em que se insere. Tendo em conta que Portugal é um país onde as pessoas têm apetência para a religião, quando uma marca está ligada a um momento único na vida, os consumidores passam a ter melhor perceção daquela marca, mais intenção de compra dos produtos daquela marca e dão-se até ao luxo de recomendar aquela marca”, explica Pedro Mendes, diretor do Instituto Português de Administração e Marketing (IPAM) de Lisboa.
É o caso do grupo Os Mosqueteiros, que se juntou à Cruz Vermelha Portuguesa para apoiar os peregrinos que rumam a Fátima. João Magalhães, administrador do grupo, rejeita que esta iniciativa seja feita para “retirar dividendos”. Ao todo, o grupo vai disponibilizar 45 mil unidades de produtos alimentares, além de mochilas e produtos de higiene. “Pensamos que aqui o custo será o elemento menos relevante”, diz o administrador.
1.200 milhões estão de olhos postos em Portugal
Um milhão vai estar em Fátima para ver Francisco, e boa parte destes visitantes virá do estrangeiro. Mas a exposição de Portugal ao mundo irá muito para além disso. No dia 13 de maio, uma comunidade de 1.200 milhões de fiéis católicos estará de olhos postos na cidade portuguesa para ver o Papa “universalmente popular”, até porque, lembra Alexandre Marto Pereira, “ele não faz muitas viagens, portanto, quando faz, as pessoas aproveitam”.
É esse momento que tem de ser capitalizado pelo país. “As pessoas vêm ver o Papa no momento em que, por acaso, ele está em Fátima. Se não estivesse em Fátima, as pessoas iam vê-lo na mesma, a outro local. A estratégia terá de ser valorizar aquilo que Fátima tem de bom para que as pessoas visitem o santuário pelo santuário, para que visitem a basílica pela basílica, e não para verem o Papa Francisco”, considera Pedro Mendes.
"A estratégia terá de ser valorizar aquilo que Fátima tem de bom para que as pessoas visitem o santuário pelo santuário, para que visitem a basílica pela basílica, e não para verem o Papa Francisco.”
Essa estratégia já está a ser seguida. Para agarrar os turistas que virão no 13 de maio, o Turismo do Centro lançou, em parceria com o Turismo de Portugal, uma campanha de meios que passa pela elaboração de um guia para operadores turísticos e pela organização de um workshop internacional de turismo religioso. Além disso, a região está a participar em várias feiras de turismo internacionais.
No fim, a visita consegue dois efeitos distintos, em termos de visibilidade: por um lado, dá notoriedade ao país; por outro, pode melhorar a sua reputação, dependendo de como decorrer o evento, conclui Pedro Mendes.
A ressurreição do turismo religioso?
A marca “Fátima” impõe respeito, mas não chega para impedir que o turismo religioso seja um dos segmentos com menor peso no setor. No final do ano passado, quando a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) inquiriu os associados sobre as perspetivas que tinham para este ano, o turismo religioso era, a par do golfe, o segmento que menos peso tinha para os hoteleiros — o que também se justifica pela concentração deste segmento em Fátima.
Ao todo, calcula-se que o turismo religioso represente à volta de 10% do total do setor, atraindo, todos os anos, 3,3 milhões de visitantes estrangeiros. Este poderá ser um ponto de viragem. “Estamos a consolidar Portugal como destino religioso no ano inteiro, e não apenas em maio. E estamos a consolidar a ideia de que Fátima é o altar do mundo”, dizia ao ECO, no início do ano, Alexandre Marto Pereira.
Também o Turismo de Portugal está a mover esforços nesse sentido. Na Estratégia Turismo 2027, a instituição tem prevista a promoção de “ações de estruturação da oferta turística em torno de roteiros e itinerários temáticos”, nomeadamente através da implementação dos Caminhos de Fátima e dos Caminhos de Santiago.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Quanto vale um Papa em Portugal?
{{ noCommentsLabel }}