Greve dos motoristas durou 7 dias. Os 7 vencedores e vencidos
A greve dos motoristas de matérias perigosas terminou este domingo. Estes foram os sete protagonistas que, pela positiva e pela negativa, se destacaram nos últimos sete dias.
Começou às 0h00 de segunda-feira passada e terminou este domingo, às 19h40. “Tendo em conta que estão reunidas as condições para podermos negociar com a ANTRAM e com o Governo, foi deliberado aqui no nosso plenário desconvocar a greve”. Foi esta a frase de Pardal Henriques, advogado e porta-voz do Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), que colocou um ponto final numa greve que durou sete dias e que levou os portugueses novamente a uma corrida às bombas para encher os depósitos, numa altura em que muitos estavam de férias.
Foi há precisamente uma semana que Pardal Henriques chegava a Aveiras de Cima de trotinete para participar no piquete da greve: “Vim de trotineta porque, da outra vez, fui criticado por chegar de Maserati”.
Mas Pardal Henriques não foi o único precavido. Horas depois, António Costa chegava ao briefing da Proteção Civil num carro elétrico. Na bagagem levava um parecer do Conselho Consultivo da PGR que lhe deu o conforto e o respaldo para “esticar” os serviços mínimos (que os sindicatos apelidaram de “serviços máximos”).
Menos de 24 horas depois do início da greve, e à semelhança do que acontecera em abril, o Governo decretava a requisição civil parcial porque alguns serviços mínimos — como o abastecimento do aeroporto de Lisboa ou as saídas de combustível a partir de Sines para o sul do país — não estavam a ser cumpridos.
Quarta-feira foi o dia em que os ânimos se exaltaram mais (de manhã), mas também foi o ponto de viragem da greve (à tarde). Primeiro, Pardal Henriques lançou a “bomba”, apelando aos motoristas para não cumprirem os serviços mínimos, nem a requisição civil. Foi o momento de maior tensão. Mas à tarde, o Governo dava conta que, apesar do apelo de Pardal Henriques, os serviços mínimos tinham sido “genericamente cumpridos”.
Ao cair da noite, o próprio Governo, através de Pedro Nuno Santos, anunciava um “acordo histórico” entre a ANTRAM e a Fectrans, deixando o SNMMP mais isolado. Isolamento que se agravaria no dia seguinte quando o Sindicato Independente dos Motoristas de Mercados (SIMM) abandonou a greve.
Nesse mesmo dia, a estratégia dos motoristas de matérias perigosas mudou e procuraram, pela primeira vez desde o início da greve, a via do diálogo. Nesse mesmo dia pediram ao Governo que nomeasse um mediador da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) para dar início às negociações com a ANTRAM. Depois de alguns avanços e recuos, encontros e desencontros, a greve terminou este domingo com a promessa de sindicatos e patrões se sentarem à mesma mesa a partir desta terça-feira, dia 20.
Foram 7 dias de greve e escolhemos os 7 protagonistas que mais se destacaram durante este período, pela positiva, e pela negativa.
Pardal Henriques, entra na greve de Maserati e sai de trotinete 👎
Foi ele que, num Congresso de motoristas, e com um processo negocial com a ANTRAM ainda a decorrer, incentivou os sindicatos a partirem para a greve com o argumento de que em ano de eleições o Governo iria estar mais pressionado. A meio da semana passada veio fazer um apelo para que os motoristas não cumprissem os serviços mínimos, nem a requisição civil, o que implica um crime de desobediência. Mas os apelos do advogado, salvo raras exceções, caíram em saco roto. A estratégia do “tudo ou nada” de Pardal Henriques começava a desmoronar. E as notícias que o davam como cabeça de lista às eleições de outubro pelo partido de Marinho e Pinto vieram desgastar ainda mais a imagem do advogado. Notícias que levaram o PCP a dizer que a paralisação estava a ser “impulsionada por exercícios de protagonismo e por obscuros objetivos políticos”. É caso para dizer que Pardal Henriques teve uma entrada na greve de Maserati e uma saída de trotinete.
André Matias de Almeida: um exagero, dois acordos e alguma humildade 👍
Algures no meio da greve cometeu talvez o maior erro ao tentar dramatizar e empolar excessivamente os impactos da greve. No dia 13, a Antram alertou para riscos nos abastecimentos a hospitais de Lisboa, Leiria e Coimbra e acabou por ser desmentida pelo Ministério da Saúde. No plano negocial, o porta-voz da Antram nunca abdicou da posição de “não negociar com uma espada em cima da cabeça” e saiu vitorioso no final. Ao longo da semana conseguiu fechar um “acordo histórico” com a Fectrans e ainda convenceu o SIMM a regressar à mesa das negociações. Teve a a humildade de dizer, este domingo, que a desconvocação da greve “está muito longe de ser uma vitória da Antram e uma derrota dos trabalhadores”. Resta saber como vão correr as negociações com o SNMMP a partir desta terça-feira, sendo certo que os patrões já mostraram vontade de alargar as condições do acordo com a Fectrans e o SIMM ao SNMMP. Falta saber se será suficiente.
José Manuel Oliveira fez o papel de “sindicato bom” e ganhou 👍
É o coordenador da Fectrans e está deste setembro de 2018, quando foi assinado o contrato coletivo, a tentar renegociar com a ANTRAM. Aproveitou nos bastidores o esticar da corda da SNMMP para assumir o papel de “sindicato bom” e jogou esse trunfo para conseguir um acordo que melhora as condições de trabalho de milhares de motoristas que pertencem à Federação. Sabia que dava jeito aos patrões e ao Governo isolar o SNMMP e usou essa “cartada” para fechar um acordo que patrões e Governo classificaram de “histórico”.
A Fectrans acordou um aumento mínimo de 120 euros no salário mensal base dos motoristas (700 euros, mais complemento salarial, cláusula 61 das horas extraordinária e subsídio noturno). E ainda um “subsídio de 125 euros para os motoristas que manuseiem de forma regular matérias perigosas líquidas e gasosas em cisterna”, enquanto “os outros trabalhadores que manuseiem cargas, nos termos das exceções previstas no CCTV terão um subsídio de 55 euros, a acrescentar à retribuição mensal”.
António Costa não hesitou 👍
Ser contra uma greve impopular ajuda a capitalizar a popularidade. E o Governo não se fez rogado. Com o conforto de ter em mãos um parecer do Conselho Consultivo da PGR — que classificou a greve dos motoristas como estando “no limite entre aquilo que é admissível e aquilo que é uma utilização abusiva”, — o primeiro-ministro “carregou no acelerador” dos serviços mínimos, acionou atempadamente o Alerta Energético e não vacilou quando teve de decretar a requisição civil (também aqui com carta branca do Conselho Consultivo da PGR que até admitiu uma requisição civil preventiva).
Tentou sempre escancarar as portas da DGERT para forçar a via negocial e apostou numa estratégia de “partir” os sindicatos, chamando para a mesa das negociações a Fectrans e o SIMM, e deixando o SNMMP mais isolado e fragilizado. Estar bem acompanhado também ajuda: Pedro Nuno Santos vestiu o seu fato diplomático e de negociador da geringonça e abriu a porta ao diálogo. A experiência, a serenidade e o bom senso de Matos Fernandes e Vieira da Silva fizeram o resto.
Tweet from @antoniocostapm
Rui Rio chegou tarde à greve 👎
Ficou a sensação de que chegou tarde à greve. O próprio fez uma avaliação de que o Governo esteve mal, numa primeira fase, quando montou “um circo mediático”, mas que esteve bem, numa segunda fase, quando abriu a via do diálogo. E Rui Rio só apareceu quando o Governo, nas palavras do próprio, já estava a fazer bem o seu papel. Um erro de cálculo político. Ainda teve de ouvir António Costa, numa ferroada política, a desejar que “concluísse com felicidade as férias”. Antes o líder do PSD já tinha publicado um tweet onde sugeria “adiar a greve para pós eleições”. Não se percebeu muito bem como e porquê. Pelo meio ainda teve de ouvir Carlos Carreiras dizer que “o PSD está há muito em greve de combate político”. Sugeriu também chamar Marcelo Rebelo de Sousa como mediador, se o Governo falhasse.
Tweet from @RuiRioPSD
Marcelo, o primeiro a andar de camião 👍
“Não basta que os fins sejam legítimos”. Bastaram estas seis palavras para perceber de que lado estava o Presidente da República que falou com a autoridade de quem em janeiro, muito antes das greves de abril e agosto, fez uma viagem pela Estrada Nacional 1 de Lisboa até ao Porto com um camionista para chamar a atenção para as dificuldades e necessidades desta classe profissional.
Na semana antes a greve, o chefe de Estado afirmou que “todas as greves impõem sacrifícios, maiores ou menores”, e sublinhou que “o problema está na ponderação permanente entre aquilo que se quer realizar e satisfazer e os sacrifícios impostos a outros membros da comunidade”. Foi o primeiro a chamar a atenção para aquilo que viria a acontecer: os motoristas ficaram isolados.
Cristas isolada a discutir a lei das greves 👎
Lançou a discussão mas ficou isolado. O CDS mostrou-se “disponível para discutir e propor uma alteração à lei dos serviços mínimos” que garanta que “os serviços mínimos asseguram a normalidade do país” e que estes são efetivamente cumpridos. “Se for preciso alterar a lei [da greve], o CDS cá está para o fazer”, sugeriu Pedro Mota Soares.
Mesmo à direita, Rui Rio deixou o CDS a falar sozinho, considerando que não seria adequado discutir uma alteração à lei da greve porque o país está num clima pré-eleitoral. À esquerda ninguém foi na conversa e o Presidente da República sentenciou e enterrou o tema: “A minha sensação é que não está na ordem do dia e não é prioridade”.
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