Despedimentos, lay-off e férias antes de tempo. Como as empresas tentam contornar a crise
Face à pandemia de coronavírus, as empresas estão a tentar "aliviar" os seus custos e muitas vezes fazem-no ao nível da mão-de-obra.
Face à pandemia de coronavírus, já são muitas as empresas em dificuldades que, para fazer frente a este período mais crítico, têm optado por reduzir os gastos também com a mão-de-obra. A dispensa de trabalhadores em período experimental, a não renovação de contratos a prazo, o recurso ao lay-off simplificado, mas também os despedimentos e até a antecipação de férias são algumas das “soluções” encontradas por esses empregadores.
A Meireles é um exemplo dessa antecipação do período de férias. A empresa que deu essa sugestão aos seus trabalhadores em alternativa ao lay-off. “Entendemos que tínhamos de tomar uma decisão que é menos penosa para os trabalhadores que é a antecipação do período de férias”, explicou o presidente da empresa, ao ECO.
“É mais benéfico para os trabalhadores irem para casa de férias antecipadas do que um lay-off. Vão com subsídio de férias pago e com mais algum conforto económico para fazer face ao duro mês de abril que se avizinha”, garantiu o mesmo gestor.
Este período de férias durará 14 dias úteis e abrangerá cerca de 90% dos 177 trabalhadores da Meireles, que concordaram por vontade própria, garante o responsável em causa, escolher esta opção.
No têxtil, o cenário é semelhante. O Sindicato dos Trabalhadores do Setor Têxtil da Beira Baixa (STBB) — citado pela nova plataforma lançada pelo Bloco de Esquerda para denunciar “abusos laborais” — avança que a Grasil, a Confeções Lança e a Lanifato fecharam temporariamente, obrigando os trabalhadores a tirar férias. Essa possibilidade já está inscrita na lei, mas segundo os especialistas está disponível apenas a partir do primeiro dia de maio.
No mesmo setor, “as empresas de vestuário da zona de Belmonte, distrito de Castelo Branco, impuseram unilateralmente a entrada em período de férias forçadas” e uma outra, empresa, a Dielmar, encerrou sem indicar em que situação ficam as trabalhadoras, assegura o mesmo sindicato.
No mesmo sentido, a Bosch Braga anunciou que irá fechar as portas durante duas semanas, mandando assim 3.500 trabalhadores para casa. Alguns desses empregados ficarão em regime de teletrabalho, enquanto outros tiveram de antecipar as férias.
Em reação, o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras do Norte (SITE – Norte) criticou a Bosch Braga por “forçar” a marcação de férias durante o período de paragem da laboração resultante da pandemia em causa. “As férias são para recuperação física e psicológica dos trabalhadores, para proporcionar momentos de relaxamento junto dos seus e não para serem usadas numa situação destas, de confinamento, de stress e preocupações várias com a nossa vida e dos que amamos”, defendeu o sindicato.
Patrões recorrem a lay-off e despedimentos
Para mitigar os efeitos da pandemia de coronavírus no negócios, a TAP decidiu não renovar o contrato a prazo a uma centena de trabalhadores, que entretanto já foram notificados nesse sentido. “Confirmamos que não estamos a renovar contratos de trabalho de colaboradores que estão a prazo”, disse uma fonte da transportadora aérea portuguesa.
Além disso, esta empresa decidiu avançar com um pedido de lay-off simplificado, que abrangerá cerca 90% dos seus trabalhadores, que vão assim para casa com dois terços do seu salário. Este lay-off vai abranger todas classes profissionais, incluindo pilotos e pessoal de bordo, e terá também incidência sobre os trabalhadores da parte comercial e da manutenção. O recurso a este regime foi decidido numa altura em que a atividade desta transportadora está a ser afetada de modo significativo pela pandemia de coronavírus.
Já no caso da unidade industrial da Continental, em Vila Real, a opção foi reduzir a força de trabalho para cerca de um terço para dar resposta às dificuldades criadas pela pandemia. “É uma medida temporária e integrada no plano de contingência da empresa. Vamos reduzir para 60% a nossa capacidade e estarão a trabalhar apenas um terço dos funcionários, como forma de minimizar o impacto e ao mesmo tempo garantir que a produção não para”, explicou o diretor-geral ao ECO.
E depois de ter “forçado” os trabalhadores a marcar férias, a empresa Passos em Volta (“mãe” das conhecidas lojas A Vida Portuguesa) avançou para o lay-off, situação que deverá abranger os 38 trabalhadores que trabalham atualmente nesses estabelecimentos, alerta o Bloco de Esquerda.
Também a Molaflex de Santa Maria da Feira recorreu a esse mesmo regime, justificando-o com falta de matéria-prima. “Chegou ao conhecimento do BE que a Molaflex Colchões despediu 150 trabalhadores de empresas de trabalho temporário”, afirmou fonte do partido.
Os bloquistas garantem que, na semana passada, a empresa tinha tentado “obrigar” esses trabalhadores a tirarem férias e agora avançou para o lay-off. Alguns dos trabalhadores abrangidos por esta opção da Molaflex já trabalham com esta empresa há sete ou oito anos, mas através de empresas de trabalho temporário.
Ao lay-off vai também recorrer a multinacional alemã Teka, que tem uma unidade industrial em Ílhavo, no distrito de Aveiro, a partir de abril. A medida irá abranger cerca de 130 trabalhadores e é justificada pela quebra no volume de negócios. “Nem todos os funcionários serão abrangidos pelo lay-off a tempo inteiro. Haverá aqui uma parte significativa que será só a meio tempo”, esclareceu o presidente do comité executivo regional da empresa.
De notar que, em caso de suspensão do contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a dois terços da remuneração, pagos em 70% pela Segurança Social e em 30% pelo empregador. No caso da redução da carga horária, o salário devido é o proporcional ao tempo de trabalho, sendo no mínimo o equivalente a esses dois terços.
Também a fábrica da Mitsubishi no Tramagal decidiu avançar para o lay-off, abrangendo os 400 trabalhadores dessa instalação face à falta de matéria-prima para a montagem dos camiões. A mesma opção foi tomada pela Groundforce e a Transdev, que colocaram respetivamente 2.400 trabalhadores e 2.000 trabalhadores neste regime perante os efeitos do surto de coronavírus nas suas atividades.
Por outro lado, no último debate quinzenal, o primeiro-ministro adiantou que, nas primeiras três semanas de março, o número de processo de despedimento coletivo triplicou face ao período homólogo. Em causa estão 28 processos de despedimento coletivo, abrangendo 304 trabalhadores, que comparam com os nove processos (56 trabalhadores) registados no mesmo período do ano passado.
De notar que o recurso a despedimentos coletivos é proibido para as empresas que acedam aos apoios anunciados pelo Governo como resposta à pandemia de coronavírus, isto é, as linhas de crédito e o novo lay-off simplificado.
Dispensar trabalhadores no período experimental
A dispensa dos trabalhadores durante o período experimental é outro dos “mecanismos” que está a ser usado pelas empresas para “aliviar” os custos com mão-de-obra. A FNAC, por exemplo, está a denunciar contratos de trabalho que ainda estejam nesse período inicial, é relatado na plataforma do Bloco de Esquerda.
Os testemunhos repetem-se nas lojas do Centro Comercial Colombo, do Centro Comercial do Vasco da Gama, dos Armazéns do Chiado, do Fórum Almada, do Atrium Saldanha, do Braga Parque e do Fórum Aveiro, garantem as mesmas fontes.
E apesar de o decreto-lei publicado pelo Executivo em resposta ao surto de coronavírus deixar a porta aberta a que os trabalhadores decidam ficar a trabalhar a partir de casa sem o acordo do empregador, há empresas onde o acesso a tal modalidade está a ser vedado.
É o caso da empresa Groupauto Portugal, que está a rejeitar a passagem a teletrabalho aos delegados comerciais no Porto, cuja função é contactar por telefone os clientes e fazer vendas online. Segundo uma fonte oficial citada na plataforma bloquista, entre 20 a 25 delegados comerciais estão a ser obrigados a deslocarem-se diariamente para a sede da empresa.
Em reação à multiplicação de situações como estas por todo o país, os sindicatos têm apelado ao Governo para que tome medidas para “proteger” os trabalhadores. Ao ECO, a secretária-geral da CGTP garantiu que têm chegado à central sindical centenas de denúncias de “abusos” dos direitos dos trabalhadores. E a UGT já alertou também para práticas “abusivas” de empregadores, nomeadamente em relação ao não pagamento de subsídio de refeição a quem está em teletrabalho e a questões da marcação “forçada” das férias.
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