De zero a três votos contra, estado de emergência perde adeptos no Parlamento
Se em março nenhum partidos votou contra o estado de emergência, duas renovações depois e uma nova declaração o consenso no Parlamento começa a deslaçar.
Se em março o Parlamento votou a favor da declaração do estado de emergência, sem nenhum votos contra, sete meses depois, e com a pandemia ainda mais forte, os partidos começam a divergir sobre a forma como se deve travar a evolução do coronavírus. Duas renovações depois, a nova declaração do estado de emergência nacional não reuniu unanimidade no Parlamento. Mas, mesmo assim, o desejo do Presidente da República e do primeiro-ministro foi cumprido.
No dia em que Portugal registou 194 novos casos de coronavírus, elevando para 642 o total de pessoas infetadas, o Parlamento aprovou o primeiro estado de emergência nacional, numa altura em que o Presidente da República já classificava a pandemia como o “maior desafio dos últimos 45 anos”. Este primeiro estado de emergência, decretado de 18 de março a 2 de abril, foi proposto por Marcelo Rebelo de Sousa, como determina a Constituição, e o Governo deu parecer positivo. A palavra final foi, claro, do Parlamento: PS, PSD, BE, CDS, PAN e Chega votaram a favor e PCP, PEV, IL e a deputada Joacine Katar Moreira abstiveram-se.
A necessidade de renovar este primeiro estado de emergência não demorou. A 2 de abril, com 783 novos casos (9.934 casos), Marcelo anunciou que iria ser feita a primeira renovação. E, a 2 de abril (dia em que terminava o primeiro), o Parlamento voltou a dar luz verde a mais 15 dias de contenção, até 17 de abril. Só que, desta vez, as votações foram diferentes, e até houve votos contra. PS, PSD, BE, CDS e PAN votaram a favor, IL votou contra, e PCP, PEV, Chega e Joacine Katar Moreira abstiveram-se.
Novamente, a 16 de abril, o Governo considerou ser necessário uma segunda renovação, desta vez até 2 de maio. E, aqui, o sentido de voto do Parlamento mudou novamente de figura. PS, PSD, BE, CDS e PAN votaram a favor (tal como das outras vezes), mas PEV e Chega abstiveram-se. O PCP, IL e a deputada Joacine Katar Moreira votaram contra. Assim, a 18 de abril, no dia em que o país registou 663 novos casos, num total de 19.685 infeções, arrancou uma terceira fase do estado de emergência.
Agora, sete meses depois de ter sido declarado o primeiro estado de emergência, e numa altura em que Portugal regista mais de 5.000 casos de coronavírus por dia e cerca de meia centena de mortes, o Governo decidiu que estava na altura de voltar a declarar estado de emergência nacional. António Costa falou com Marcelo, deu-lhe quatro motivos e, depois de ouvir os partidos, o Presidente da República ficou convencido. Propôs ao Parlamento um novo estado de emergência, de 9 a 23 e novembro, mas, desta vez, “mais limitado e preventivo”.
As votações aconteceram esta sexta-feira e o xadrez político mudou uma vez mais, tendo o estado de emergência perdido ainda mais adeptos no Parlamento. O próprio Marcelo antecipava esta evolução. Em entrevista à RTP, na segunda-feira, o Presidente da República notou que, comparando com março, “os setores políticos não são iguais”, recordando que, na altura, nenhum partido votou contra o primeiro estado de emergência.
Ainda assim, foram reunidos os votos necessários para passar: PS, PSD, CDS e a deputada não inscrita Cristina Rodrigues votaram a favor, BE, PAN e Chega abstiveram-se e PCP, PEV e IL votaram contra. Horas depois, numa comunicação aos país de oito minutos, o Chefe de Estado anunciava que tinha assinado o decreto do estado de emergência que fora aprovado por 84% dos deputados, sendo que 94% deles não se opuseram. A “larga maioria” a que Marcelo se referia na entrevista à RTP.
Mas a perda de aderência entre os partidos é inegável. Porquê? Inicialmente “o fator surpresa” tornou a “unidade dos partidos expectável”, mas, “por um processo de aprendizagem política, por diferentes razões, os partidos quer à direita quer à esquerda foram-se distanciando das medidas anunciadas pelo Governo”, sublinhou ao ECO o politólogo António Costa Pinto. O receio de estarem em causa as liberdades fundamentais alimenta as reticências da esquerda, o receio de uma intervenção excessiva do Estado na sociedade as do Iniciativa Liberal, aponta o investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. “É natural que a unidade se desfaça”, garante.
Por outro lado, há um segundo conjunto de razões políticas que justificam a mudança de posição dos partidos, diz Costa Pinto. “Ao existir a perceção de de que as consequências económicas e sociais vão perdurar muito para além da própria crise pandémica, tendo em conta a nova conjuntura, com o Governo a dar sinais de dificuldades de negociação à esquerda” — o voto contra do Bloco de Esquerda à proposta de Orçamento do Estado na generalidade, foi o exemplo mais flagrante –“os partidos mais pequenos aumentam a demarcação face ao Governo antecipando os tempos que aí vêm”, sublinha o politólogo.
Este deslaçar da unidade política não vai contudo impedir futuras renovações do estado de emergência, acredita Costa Pinto, “mas a demarcação dos partidos face às medidas adotadas essa vai persistir“, garante. “É uma oportunidade que os partidos não poderiam deixar de aproveitar, até porque o segundo Governo de António Costa é ainda mais minoritário face ao primeiro”, acrescenta.
O próprio Rui Rio dava conta desta estratégia partidária durante o debate do estado de emergência. O líder do PSD justificou o voto a favor porque “o sentido de Estado e a solidariedade para com os mais vulneráveis não dão ao PSD qualquer margem de manobra para retóricas estéreis ou o aproveitamento partidário de descontentamento decorrentes da difícil situação que estamos a viver“.
Marcelo Rebelo de Sousa, na pele de comentador que assumiu várias vezes na entrevista à RTP, antecipou as consequências: “Tenho visto com atenção o que acontece nos países que têm tido eleições em contexto de pandemia, e conta-se pelos dedos da mão os governos que foram reeleitos. Têm sido governos e Presidentes a perder eleições. Mas quem é eleito é para ser punido perante o que corre mal, não é só para ser louvado”.
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