Recibos verdes? Saiba o que pode mudar
Descontos vão passar a ter por referência os rendimentos de meses mais recentes. Escalões não serão atualizados em janeiro.
As regras das contribuições dos trabalhadores independentes vão mudar em 2017. O Executivo não se compromete ainda com qualquer alteração mas o Bloco de Esquerda afirma que já há acordo em alguns pontos, no âmbito do grupo de trabalho criado para o efeito. Conheça o regime e o que pode mudar.
Base de descontos
No atual regime, os trabalhadores independentes são colocados anualmente em escalões ligados ao rendimento relevante do ano anterior. O rendimento considerado relevante corresponde, em regra, a 70% do valor total das prestações de serviço ou 20% dos rendimentos associados à produção e venda de bens (no caso de trabalhadores com contabilidade organizada, corresponde ao lucro tributável quando este é inferior). Já no caso de atividades hoteleiras e restauração, contam 20% dos rendimentos de prestação de serviços.
Conhecida esta informação, a Segurança Social posiciona, todos os anos, os trabalhadores independentes no escalão que corresponde ao duodécimo do rendimento relevante do ano anterior. Se a prestação de serviços originou 10.000 euros de rendimento no ano, por exemplo, é tido em conta 70% deste valor, ou 7.000 euros. Dividido por 12, este valor resulta em 583,3 euros, o que significa que esta pessoa é colocada, no ano seguinte, no primeiro escalão (419,22 euros, ou 1 Indexante dos Apoios Sociais – IAS).
É sobre o valor do escalão que é depois aplicada a taxa contributiva – 29,6% no caso da generalidade dos trabalhadores independentes, 34,75% para empresários em nome individual e 28,3% para produtores agrícolas.
Descontar menos
De acordo com a lei, o posicionamento anual em escalões deve ocorrer em outubro (embora o processo já tenha sofrido atrasos) e produzir efeitos durante os 12 meses seguintes. No entanto, a lei permite, desde 2014, que o trabalhador possa pedir à Segurança Social para descer ou subir até dois escalões face ao que lhe foi fixado, descontando assim menos ou mais. E tem três momentos no ano para o fazer: quando a Segurança Social o notifica do escalão que será aplicável durante 12 meses e depois em fevereiro e em junho.
Além disto, quando o rendimento relevante anual é inferior a 12 IAS (atualmente, 5.030,6 euros), o trabalhador independente passa a descontar oficiosamente sobre 50% do IAS, ou 209,6 euros. É sobre este valor que incide depois a taxa. No fundo, é como se este trabalhador fosse colocado numa espécie de “escalão 0”, que não existe como tal na lei mas que, de acordo com a secretária de Estado da Segurança Social, abrange a maioria dos trabalhadores independentes e coloca em causa a proteção social destas pessoas.
Alterações na calha
O Orçamento do Estado para 2017 já prevê uma autorização legislativa para alterar o regime dos trabalhadores independentes mas ainda falta conhecer a proposta.
Para já, sabe-se que o objetivo passa por aproximar os descontos dos trabalhadores independentes ao seu rendimento efetivo e não aos valores do ano anterior. Poderá ser tido em conta o rendimento de um mês ou a média de dois ou três meses, conforme indicou Cláudia Joaquim, admitindo o fim dos escalões.
Ao ECO, o deputado do Bloco de Esquerda José Soeiro explica que o conceito de rendimento “relevante” é para manter, o que significa que a taxa continuará a incidir apenas sobre uma parte dos rendimentos do trabalhador, mas desta vez referentes aos meses mais recentes.
Se os recibos verdes passam a descontar sobre o rendimento relevante atual — e, até aqui, podiam pedir para descontar abaixo do rendimento relevante, ainda que apurado no ano anterior — não é de esperar que os descontos possam aumentar? José Soeiro garante que “ficou claro” que o Bloco de Esquerda não aceitará que os trabalhadores independentes “sejam mais sobrecarregados”.
Por isso defende a “distribuição do esforço contributivo” entre trabalhadores e entidades contratantes. Em causa estão empresas e pessoas singulares com atividade empresarial responsáveis por, pelo menos, 80% dos rendimentos de um trabalhador independente (que não esteja isento de contribuir e tenha um rendimento relevante anual superior a 2.515,3 euros). Nestes casos, as entidades contratantes são chamadas a pagar 5% sobre o valor total dos serviços prestados.
Para José Soeiro, o conceito de entidade contratante devia ser alargado, abrangendo mais empresas que beneficiam dos serviços de trabalhadores independentes. Além disso, a contribuição de 5% devia ser aumentada para que, em contrapartida, a taxa aplicável aos recibos verdes pudesse recuar. Mas esta é uma proposta onde não há, pelo menos para já, acordo com o Governo, admite o deputado.
Meses sem rendimentos
Atualmente, os trabalhadores independentes têm de manter o mesmo nível de descontos mesmo nos meses em que não têm rendimentos — a não ser que suspendam atividade ou em casos específicos de doença ou parentalidade.
No futuro, diz uma nota do Bloco de Esquerda distribuída na terça-feira, 18 de outubro, prevê-se um “pagamento simbólico (até ao máximo de 20 euros)” nestes meses, que será “depois descontado nas contribuições dos meses em que o trabalhador tem rendimentos”.
Esta medida surge porque “as interrupções contributivas dificultam o acesso a prestações sociais e prejudicam o trabalhador na reforma”, continua a nota onde o Bloco dá conta de que já chegou a acordo com o Governo em alguns pontos. Este é um deles.
Outras isenções que podem cair
Nem todos os trabalhadores independentes estão obrigados a descontar para a Segurança Social. Antes de mais, quando o trabalhador é enquadrado pela primeira vez no regime, só há produção de efeitos passados 12 meses e quando o rendimento relevante anual ultrapassa 6 IAS (2.515,3 euros). E também há lugar a isenção quanto o trabalhador conta com um rendimento relevante inferior a este limiar mas já descontou durante um ano.
Além disto, também estão isentos de contribuir os trabalhadores que acumulam recibos verdes com pensão ou com trabalho dependente. Neste último caso, as duas atividades têm de ser prestadas a empresas distintas e sem relação de grupo, o trabalho por conta de outrem tem de pagar um salário médio mensal acima de 419,22 euros e originar descontos para um regime de proteção social obrigatório (Segurança Social, Caixa Geral de Aposentações). Mas o Bloco quer acabar com esta isenção quando estão em causa “trabalhadores com altos rendimentos de trabalho independente“. Falta saber se a medida avança e, nesse caso, que situações poderá abranger. Neste ponto ainda não há acordo, diz o Bloco.
José Soeiro explicou que o objetivo da proposta “não é acabar totalmente com esta isenção” mas sim abranger apenas os rendimentos elevados, “de muitos milhares de euros”.
Escalões não são atualizados em janeiro
Os escalões contributivos estão indexados ao IAS, referencial que será atualizado em janeiro depois de vários anos de congelamento. Porém, a secretária de Estado da Segurança Social garante que os escalões não serão alvo de atualização, uma vez que todo o regime será alterado durante o próximo ano.
Proteção social também está em estudo
Em termos de proteção social, os trabalhadores independentes estão em desvantagem face aos trabalhadores por conta de outrem. Desde logo, só recebem subsídio de doença após 30 dias de espera (exceto no caso de internamento ou tuberculose).
Além disto, as prestações de desemprego têm regras mais restritivas. Existem dois tipos de subsídio: um para trabalhadores independentes considerados economicamente dependentes (que recebem de uma única entidade 80% ou mais dos seus rendimentos anuais) e outro para empresários em nome individual. É um tema que o Governo está a estudar, sublinhou Cláudia Joaquim ao ECO.
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