Parlamento com estreia mundial de CGD 3. Carlos Costa e Vítor Constâncio como atores principais
O filme da CGD vai estar em reposição no Parlamento. Arrancam esta terça as audições para apurar a verdade sobre o buraco do banco. Primeiro entra em cena a EY. Depois Carlos Costa e Vítor Constâncio.
À terceira será de vez? Arrancam esta terça-feira as audições da comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e aos atos de gestão. É a terceira comissão de inquérito em poucos anos. Os auditores da EY, que foi responsável pela auditoria aos atos de gestão do banco público entre 2000 e 2015, são os primeiros a ser ouvidos no Parlamento, logo a partir das 15h00 — pode acompanhar a audição aqui no ECO em direto. Seguem-se Carlos Costa (quarta-feira) e Vítor Constâncio (quinta-feira).
Os deputados não partem exatamente da casa de partida. Primeiro porque já houve duas audições que, embora tenham terminado sem conclusões relevantes, constituem já uma base de trabalho para esta audição. Depois (mais importante) porque as regras do jogo também mudaram entretanto: a comissão de inquérito já pode ter acesso à lista dos grandes devedores que deixaram um buraco de milhares de milhões de euros no banco público.
Quem mentiu?
Carlos Pereira, presidente da primeira comissão parlamentar de inquérito à CGD, afirmou em entrevista ao ECO: “Alguém mentiu” no Parlamento e não disse a verdade em relação à forma como alguns créditos do banco público foram concedidos nas anteriores comissões de inquérito. Mas quem mentiu?
“A alguns dos sen2wta.
Agora é o teste do algodão? Provavelmente, sim. Entre as 19.000 páginas de documentação relativa à vida da CGD que chegaram ao Parlamento está o relatório da EY, identificando um conjunto de financiamentos que não seguiram os pareceres do Comité de Risco. Não sendo vinculativos, estes não concordavam com o perfil da operação. Um levantamento realizado pelo ECO, com base no que foi dito nas anteriores comissões de inquérito, revelou que apenas António Nogueira Leite, membro da administração entre 2011 e 2012, admitiu explicitamente ter tomado decisões que divergiam das posições daquele organismo.
Agora, os deputados deverão tentar explorar mais inconsistências entre o que disseram os anteriores administradores do banco público e o que revelaram as conclusões da auditoria aos atos de gestão da CGD.
Os governos interferiram?
Na lista de espera para serem ouvidos na comissão estão os ex-ministros das Finanças (com a tutela da CGD) desde 2000, de Joaquim Pina Moura (1999-2001) a Maria Luís Albuquerque (2013-2015), vários antigos secretários de Estado das Finanças no mesmo período e ainda o antigo primeiro-ministro José Sócrates (2005-2011) e o antigo ministro da Economia Manuel Pinho (2005-2009).
O relatório da EY identificou que algumas decisões da CGD tiveram interferência política, tanto no que toca à concessão de crédito como também às decisões estratégicas. Não sendo uma ilegalidade ter um governo a usar o banco público como ferramenta da sua política económica, os deputados vão tentar perceber a extensão da influência política nos atos de gestão dos administradores e de que forma isso contribuiu para as perdas.
Há casos conhecidos como o do financiamento da Artlant, a unidade fabril de PTA que os catalães da La Seda trouxeram para Sines, depois de a CGD ter assumido uma participação acionista no grupo espanhol com o objetivo claro de influenciar as decisões de investimento. A própria fábrica foi considerada um Projeto de Interesse Nacional (PIN) no governo de José Sócrates, mas o negócio veio a resultar num buraco de 250 milhões de euros ao banco público. Há também dúvidas em torno do papel do governo noutras decisões, como, por exemplo, no financiamento da CGD à compra de ações do BCP (a primeira chegou a assumir uma participação relevante no banco privado, com uma fatura que ascendeu a mais de 500 milhões) ou no projeto do Vale do Lobo.
Em última instância, numa abordagem mais construtiva, da comissão de inquérito poderão sair as primeiras ideias para uma redefinição do mandato e objetivos da CGD enquanto banco público, como já chegou a propor o deputado não inscrito Paulo Trigo Pereira.
O banco já recuperou dinheiro dos créditos maus?
Paulo Macedo já teve oportunidade de o dizer várias vezes: a CGD vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance para encontrar os eventuais culpados pelas perdas de forma a ser ressarcida naquilo que tiver de ser ressarcida, mas não é um tribunal nem fará o papel do Ministério Público no julgamento dos responsáveis.
O banco público já contratou três sociedades de advogados (Vieira de Almeida, Linklaters e a Sérvulo) para evitar situações de conflito de interesse no apuramento de responsabilidades civis. Mas, da última vez que foi ao Parlamento, o presidente do banco público levantou a hipótese de contratar mais do que estas três firmas de advocacia quando foi confrontado com o tema das incompatibilidades entre advogados e clientes devedores.
Por outro lado, se é verdade que o banco já constituiu imparidades para fazer face a estes empréstimos problemáticos, isto não quer dizer que já tenha desistido de reavê-los na totalidade e, assim, reverter as imparidades que têm constrangido os resultados da CGD nos últimos anos. Paulo Macedo adiantou também que os grandes créditos, os mais mediáticos, vão permanecer na esfera do banco público para serem recuperados pela equipa do Caixa BI, o banco de investimento da CGD, e não vão ser vendidos como outros créditos malparado que está a vender. Há algum desenvolvimento nesta frente? O que já foi recuperado entretanto? Questões que podem vir a ser colocadas pelos deputados.
Quem ganhou com isto?
A Investifino devia 138 milhões de euros à CGD no final de 2015 e o banco reconhecia no seu balanço uma imparidade no mesmo valor. Ou seja, nenhum euro desse empréstimo tinha sido liquidado naquela data e o banco assumia como pouco provável que viesse a reaver o dinheiro. No caso da Fundação Berardo, ao financiamento de 267 milhões de euros estava associada uma imparidade de 124 milhões.
Manuel Fino e Joe Berardo estavam entre os três maiores devedores em situação de incumprimento com o banco público há três anos e ambos estão na lista de personalidades que os deputados pretendem chamar ao Parlamento. Na relação de pedidos estão ainda Diogo Gaspar Ferreira, Rui Horta e Costa e Luís Horta e Costa (todos ligados ao projeto de Vale do Lobo), Matos Gil (Artlant) e Joaquim Barroca (Grupo Lena).
Ganharam dinheiro com empréstimos que não conseguiram pagar ao banco? Foram créditos de favor? Quais as garantias que foram pedidas? Beneficiaram de condições mais favoráveis, mesmo nos processos de reestruturação do financiamento? Estão atualmente em condições de honrar os seus compromissos? Perguntas que continuam a aguardar resposta.
Carlos Costa está de consciência tranquila?
O tema da idoneidade ameaçou deixar o governador do Banco de Portugal em lume brando na praça pública, após a revista Sábado ter revelado que, enquanto administrador da CGD com o pelouro do marketing e internacional (2004-2006), Carlos Costa participou em reuniões que decidiram créditos aos empresários Joe Berardo e Manuel Fino e ainda ao projeto de Vale de Lobo. O Bloco de Esquerda pediu a exoneração. Face à pressão que estava a ser exercida publicamente e quase diariamente, o presidente do grupo parlamentar do PS, Carlos César, chegou a sugerir que até o próprio governador ansiava pelo fim do seu mandato, que termina em 2020. Rui Rio colocou o assunto no dilema moral: Carlos Costa sabe bem o que fez e se está de consciência tranquila não terá qualquer medo de enfrentar os deputados; se tem a consciência pesada, devia sair pelo próprio pé.
Entretanto, a polémica esfumou-se. Saiu a notícia da decisão de condenação de Tomás Correia, outros antigos administradores do Banco Montepio e a própria instituição. Depois, foram os prejuízos do Novo Banco a encher as páginas de jornais e a ocupar minutos nas televisões.
Por outro lado, Carlos Costa também tentou conter o fogo. Ninguém o vai avaliar? O governador submeteu-se a avaliações dos comités de ética do Banco de Portugal e do Banco Central Europeu para fazer prova de vida — e o que disseram os comités? Segundo o Expresso, a argumentação de defesa que Carlos Costa usou perante o comité de ética do banco central nacional será a mesma que vai usar no confronto no Parlamento na quarta-feira. Há dúvidas sobre se os créditos ruinosos tiveram também a sua assinatura? Na entrevista que deu à SIC, Carlos Costa foi perentório: “Não participei na decisão dos 25 grandes créditos que geraram perdas à CGD”. Mas deixou pontas soltas, como por exemplo, na história da herdade que comprou a Armado Vara, que foi administrador do banco. Ainda assim, decidiu pedir escusa nas decisões do Banco de Portugal para evitar quaisquer conflitos de interesse na matéria.
As regras de jogo já foram ditadas pelo presidente da comissão parlamentar de inquérito, Luís Leite Ramos, ao ECO: avaliar a idoneidade de Carlos Costa não compete aos deputados e essa é uma linha vermelha que não vai deixar que seja ultrapassada.
Vítor Constâncio estreia in loco
É uma das visitas mais aguardadas no Parlamento. Vítor Constâncio há muito que era esperado na Assembleia da República, nomeadamente por assuntos relacionados com outros bancos, como o BPN e o BES, mas a circunstância de ser vice-presidente do Banco Central Europeu permitiu-lhe evitar o “confronto frente-a-frente” com os deputados e responder às questões por correspondência a partir de Frankfurt.
Agora é diferente. Deixou de ser vice-presidente do banco central do euro em maio passado e já não pode dizer que não vem a Lisboa dar a sua visão dos acontecimentos da CGD desde o início do milénio.
Vítor Constâncio foi governador do Banco de Portugal de 2000 a 2010, ou seja, foi durante o seu mandato de supervisor financeiro que muitos dos maus negócios do banco público aconteceram. Mais relevante do que isso: em 2002, ignorou alertas de um antigo administrador da CGD, Almerindo Marques, que lhe enviou duas cartas a denunciar operações irregulares e lesivas para o banco público, segundo o Jornal Económico.
Almerindo Marques chegou a reunir-se com Vítor Constâncio após várias insistências e da boca do governador ouviu uma resposta que volvidos estes anos poderão merecer maior esclarecimentos: de que o Banco de Portugal não dispunha de “recursos para mandar fazer uma auditoria”, nem era “oportuna fazê-la ao maior banco do sistema”. Pode repetir?
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