O apertar do cerco: alterações à lei do branqueamento
João Rodrigues Brito, Associado Principal na Morais Leitão, Galvão Teles Soares da Silva & Associados, explica a transposição da 5.ª Diretiva AML para o direto português e as novas regras em vigor.
A 5.ª Diretiva AML foi transposta para o direito português e não só traz consigo novas regras para a prevenção do branqueamento como constitui a primeira regulamentação dos ativos virtuais em Portugal.
No passado dia 1 de setembro, entrou em vigor a Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto, que, entre o mais, transpõe – ainda que com atraso face ao prazo fixado pela União Europeia – para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva (UE) 2018/843, conhecida como 5.ª Diretiva AML (anti-money laundering).
Esta lei é mais do que apenas uma alteração às normas da prevenção do branqueamento de capitais, na medida em que vem introduzir no ordenamento jurídico português pela primeira vez uma definição legal de ativo virtual (onde se incluem as criptomoedas). As entidades que exerçam atividades com ativos virtuais em Portugal passam assim a estar sujeitas às normas de prevenção do branqueamento de capitais. Vão também estar obrigadas a obter o seu registo prévio junto do Banco de Portugal, tendo assim que se submeter a um apertado escrutínio pelo maior regulador financeiro português.
Uma outra grande novidade é a inclusão também dos comerciantes que transacionem bens de elevado valor unitário, nomeadamente ouro e outros metais preciosos, pedras preciosas, antiguidades, aeronaves, embarcações e veículos automóveis, como entidades obrigadas aos deveres de prevenção do branqueamento.
Não falta também nesta alteração legislativa um reforço da supervisão sobre o setor imobiliário, passando as entidades obrigadas que exerçam atividades imobiliárias a estar obrigadas a comunicar ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) os elementos das transações imobiliárias realizadas numa base trimestral, quando antes o deveriam fazer numa base semestral.
Estas são apenas algumas das novidades trazidas pela Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto, que promove também alterações relevantes ao Regime Jurídico do Registo Central de Beneficiário Efetivo (RCBE) e ao Código Penal, entre muitos outros diplomas legais.
Por fim, é bom lembrar que, como complemento de todos os deveres das entidades obrigadas no domínio da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, a lei prevê expressamente a obrigação de aquelas assegurarem que aos seus dirigentes e colaboradores sejam ministradas ações de formação específicas e regulares, que promovam um conhecimento adequado desta regulamentação. E, como hoje acontece habitualmente na regulação da economia, o incumprimento desta e das outras obrigações que decorrem desta lei pode fazer a empresa e os seus responsáveis incorrerem na prática de contraordenações com a inerente aplicação de coimas – que, aliás, podem atingir valores extremamente elevados, na ordem dos vários milhões de euros – e outras sanções.
Ao nível reputacional, o impacto de uma fraca política de prevenção de branqueamento de capitais pode ser tremendo. Basta atentarmos no ano de 2018 para encontrarmos três bancos europeus que colapsaram na sequência da identificação de falhas relacionadas com a prevenção do branqueamento – o ABLV Bank, na Letónia, o Versobank na Estónia e o Pilatus Bank, em Malta –, bem como aquele que será um dos casos mais controversos neste domínio e um dos maiores escândalos financeiros na Europa até aos dias de hoje – o caso do Danske Bank, o maior banco dinamarquês, por cuja subsidiária estónia terão sido introduzidos no sistema bancário europeu cerca de 200 mil milhões de euros de fundos de proveniência suspeita.
Por estas razões, tem-se assistido já a discussão política ao nível da União Europeia no sentido de promover um reforço do sistema regulatório europeu de prevenção do branqueamento que poderá, em última análise, conduzir os Estados-Membros a estabelecer uma autoridade europeia para a prevenção do branqueamento de capitais, bem como, porventura, a aprovar um regulamento europeu que venha reforçar o quadro da União, um pouco à imagem do que sucedeu no domínio da proteção de dados pessoais. Mas isso, como se costuma dizer, são cenas para os próximos capítulos.
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