Casa do Impacto arranca com piloto sobre saúde mental nos empreendedores para “cuidar de quem cuida”
É o primeiro programa de saúde mental direcionado para os empreendedores em Portugal. Estima-se que mais de 70% dos empreendedores sofram com questões de saúde mental.
A Casa do Impacto prepara-se para arrancar com um piloto para promover a saúde mental nos empreendedores da incubadora de impacto social. O Target, o primeiro programa de saúde mental e bem-estar direcionado aos empreendedores em Portugal, deverá iniciar-se em abril/maio, abrangendo cerca de 200 pessoas, mas o objetivo é que, mais tarde, possa ser adotado por empresas e por outras incubadoras a nível nacional. Estima-se que 72% dos empreendedores sofra de problemas de saúde mental.
“Todos os empreendedores sofrem com o stress da imprevisibilidade, no caso da realidade da Casa de Impacto são empreendedores que estão a tentar resolver problemas sociais e ambientais. Fala-se, cada vez mais, da ansiedade climática e, no caso do social, trata-se de empreendedores que, muitas vezes, lidam com públicos vulneráveis. Aqui temos o adicional de termos de cuidar de quem cuida. Se não cuidarmos da sua saúde emocional, vamos perder gente de muito valor e todos perdemos com isso“, justifica Inês Sequeira, diretora da Casa do Impacto – Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, à ECO Pessoas.
“Muitas vezes estamos focados nos público alvo e não nos intermediários: o empreendedor social. Quem cuida do planeta tem de ter uma energia adicional para o fazer e, obviamente, estão ainda mais expostos a um desgaste emocional ainda maior”, reforça a responsável da incubadora que acolhe mais de 65 startups de impacto e apoia a mais de 250.
A ideia de arrancar com um programa direcionado aos empreendedores começou logo no primeiro confinamento provocado pela pandemia da Covid-19. “Achei que esta questão da saúde mental se ia agravar muito e lançámos logo um programa, juntamente com algumas das startups desta área — Impacto ZenKlub, Doctorino e Hug-a-Group –, o acalma.online, uma plataforma que fazia consultas de psicoterapia para situações de emergência. Chegamos a dar mais de mil consultas, grátis”, recorda Inês Sequeira.
Muitas vezes estamos focados nos público alvo e não nos intermediários: o empreendedor social. Quem cuida do planeta tem de ter uma energia adicional para o fazer e, obviamente, estão ainda mais expostos a um desgaste emocional ainda maior.
Com o decorrer da pandemia, começou internamente a emergir a perceção de que a saúde mental dos empreendedores se estava a ressentir. “Tive vários colaboradores a me dizerem que iam sair dos projetos — outros terminaram mesmo com os projetos — porque estavam a entrar em burnout e não estavam a aguentar”, conta a responsável da Casa do Impacto. Daí à ideia de arrancar com um programa foi apenas um passo. Afinal, este é um público-alvo onde o tema da saúde mental é uma realidade.
Público alvo sob pressão
Os números são claros: 72% dos empreendedores são afetados por problemas de saúde mental, enquanto na população não empreendedora esse número fixa-se nos 48%. São também mais propensos a relatar um histórico de depressão (30%), transtorno do défice de atenção com hiperatividade (TDAH) (19%), uso de substâncias (12%) e diagnóstico bipolar (11%), segundo dados do “Are Entrepreneurs ‘Touched with Fire’?, um paper publicado em 2015, de investigadores da universidade de Berkeley e Stanford, nos EUA.
“O empreendedor — o que os números, que são muito curtos, nos dizem — comparativamente a uma profissão tradicional tem três a quatro vezes mais possibilidade de ter um problema de saúde mental, obviamente, relacionado com esta inconstância de saber se amanhã tem dinheiro para pagar salários. O risco é maior e tem de se saber lidar melhor com a adversidade, com a imprevisibilidade”, retrata Inês Sequeira. E também, “o que os números nos dizem é que os mais jovens estão cada vez mais deprimidos.”
A ideia de lançar um programa para “cuidar de quem cuida” começou assim a ganhar força, bem como a ideia de avançar com piloto que, mais tarde, pudesse ser adotado pelas empresas ou por outras incubadoras a nível nacional. Mas teria que ser um programa que não fosse tradicional.
“Quem acompanha estes temas de saúde mental sabe que não há uma fórmula que se aplique a todos: ter um burnout não é o mesmo que ter uma depressão ou sofrer de ansiedade”, refere Inês Sequeira. “A ideia é dar um apoio a estas pessoas para terem ferramentas e instrumentos para não chegaram ao ponto do não retorno, para aprender a lidar com o stress.”
Retiros, conversas para a consciencialização da temática, espaço online agregador de informação, workshops, grupos de pares (para partilha de experiências), buddies, atividades de wellbeing, coaching e consultas de psicologia e psiquiatria com especialistas externos com oferta de preços especiais são algumas das ferramentas que o Target coloca ao dispor dos potenciais interessados.
O piloto tem a duração de um ano e será acompanhado por um conselho consultivo — Carla Ventura (Cases), Elena Durán (55+), Gustavo Jesus (Partners in Neuroscience), Hugo Van der Ding (apresentador/humorista), Jaime Silva (Ordem dos Psicólogos e Dave Morgan Search), João Duarte (Impulso), Joana Moreira (MadPanda e Transformers), Mariana Duarte Silva (Skoola), Frederico Fezas Vital (Center for Responsable Business UCP) e Paula Domingos (Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental) — bem como por uma universidade, para fazer o diagnóstico dos riscos psicossociais junto dos empreendedores sociais e avaliar o impacto do programa Target.
Expandir o piloto
“Achámos mais interessante que não fosse apenas um programa para dentro, mas atrair empresas, a atenção de outros stakeholders para a importância do assunto“, explica a diretora da Casa do Impacto. “Queremos trazer as grandes empresas para o programa, para que possam leva-lo para dentro da companhia e o possam adaptar à realidade da própria empresa”, continua. “Estamos a falar com algumas que devem dar mais uma componente em espécie, por exemplo, seguros para os empreendedores com apólice que cobre saúde mental”, adianta.
As empresas estão mais abertas. Sente-se uma enorme diferença. Mas a ideia aqui é também ter uma componente de esclarecimento, quase educativa muito grande.
“As empresas estão mais abertas. Sente-se uma enorme diferença. Mas a ideia aqui é também ter uma componente de esclarecimento, quase educativa muito grande. Vamos fazer vários eventos à volta, com questões que muitas vezes não se liga com a saúde mental que precisam de ser faladas, como a importância do ambiente à volta, do próprio espaço público, do espaço de trabalho estar adaptado para não ser tão agressivo para as pessoas”, reforça.
Para financiar o Target, a Casa do Impacto vai candidatar-se aos vouchers para incubadoras, programa gerido pela Startup Portugal e financiado pelo PRR. “A call acabou de abrir e vamos candidatar-nos ainda em março”, diz a responsável, apontando para “abril/maio” o arranque do programa, com duração de um ano.
“Queremos que seja um programa que possa ser escalado para outros hubs e para o ecossistema no geral. Mas para já começa com a Casa de Impacto.”
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